Por Humberto Pinho da Silva
Quando era menino, havia na rua de Sá da Bandeira, em Vila Nova de Gaia, lojinha que tudo vendia: desde artigos de papelaria, loiça de faiança, a vasos de barro vermelho.
Era proprietário o Sr. Costeira, o negociante mais honrado que conheci. Desde o largo dos Aviadores até ao jardim Soares dos Reis, não havia homem mais respeitado e honesto do que o modesto lojista.
Entrou, certa vez, meu pai no pequeno estabelecimento. Saudou o dono afavelmente, e quando lhe pedia resma de papel costaneira, recebe embrulhadinho de moedas.
Espantaram-se os olhos diante a insólita oferta. Estupefacto ficou meu pai, mirando alternadamente, as moedas de cobre e níquel.
Então o Sr. Costeira, de semblante risonho, pedindo mil desculpas, meio envergonhado, meio brincalhão, disse: – Sr. Pinho, sem querer, levei-lhe dinheiro a mais, na última compra. Aqui está o que é seu!
Era assim o Sr. Costeira. Profundamente crente, testemunhando a fé em Cristo, pela conduta exemplar.
Tinha o bom negociante estranho costume: se lhe pediam desconto, dizia, entre sorrisos: – Já tem o bicho cacau! Bicho cacau era o preço justo.
O tempo passou. Indo meu pai de viajem a Lisboa, teve que se deslocar à Costa do Sol. Entrou numa pastelaria na Parede, a fim de tomar cafezinho.
Reparou o comerciante, pela pronúncia, que era do Norte, e ao inteirar-se que vivia no Porto, acrescentou: depreciativamente:
-Os negociantes dessa cidade são quase todos desonestos, a que meu pai tripeiro ferrenho, repostou, defendendo-se: – Depende! …
E começou a contar que conhecia comerciante, honesto com poucos, narrando a cena das moedas guardadas pelo Sr. Costeira.
Ao escutar a palavra “ Costeira”, iluminou-se-lhe a boca de largos risos, interrompendo a narração de imediato:
– Mas esse não é do Porto! É da Murtosa!
Havia chegado ao Sul a honradez do Sr. Costeira. Perante o pasmo de meu pai e meu, que presenciava o episódio, rapidamente esclareceu:
– Os Costeiras são da Murtosa e conhecidos pela verticalidade e honradez. É boa gente!…mas não são do Porto!…
Por Humberto Pinho da Silva
De Portugal
História curiosa… infelizmente, nunca encontrei nenhum “Sr. Costeira”… nem no Porto, nem em Vila Nova de Gaia nem noutro sitío qualquer. Já agora aproveito para corrigir o nome da rua: chamava-se e chama-se Marquês de Sá da Bandeira. Cumprimentos.
Tem toda a razão, o nome da rua é: Marquês de Sá da Bandeira, mas muita gente, para abreviar, diz apenas, Sá da Bandeira.
O Sr. Costeira vivia nessa rua e era proprietário de uma papelaria, hoje padaria, pelos anos cinquenta e sessenta. Seu nome completo era: Manuel Joaquim Costeira. Nasceu a 4 de Novembro de 1900, na freguesia do Monte, a Murtosa. Filho de Lázaro José Costeira e de Apolónia Rosa da Silva.
O pai foi emigrante no Brasil, e o filho, com catorze anos foi viver para a cidade de Belém, onde trabalhou no ramo da panificação.
Veria mais tarde estabelecer-se com pequeno bar.
Por essa época veio a Portugal, para casar com Virgínia de Melo Queiroz, na igreja do Brunheiro.
Fica a residir na Murtosa, onde monta pequeno aviário.
Entre os amigos que o visitavam, havia o Prof. Calado, que residia em Gaia, que entusiasmou-o a comprar casa em Vila Nova de Gaia, na rua Marquês de Sá da Bandeira, onde montou pequena papelaria.
Nos últimos anos de vida, foi ajudado, no estabelecimento, pela filha Virgínia e pela mulher.
Foi membro da conferência de S. Vicente de Paulo de Mafamude. Era profundamente católico.
Filhos:
Pantaleão, Maria José, Virgínia, Domingos, Manuel Joaquim, Benjamim e Maria Aline.
Era Irmão do Monsenhor Pantaleão, Vigário Geral da Diocese de Évora.
Dados colhidos em “Figuras Inesquecíveis da Nossa Terra”, série, publicada, durante vários anos , pelo jornal “Notícias de Gaia “.
Por essa época, a pedido do diretor do semanário, entrevistei cerca de 300 pessoas, de V. N. de Gaia, para fazer a biografia das principais e populares figuras dessa cidade.