Por Carlos Fino
Em artigo na Folha de São Paulo, primeiro, e em entrevista ao DN, depois, o escritor brasileiro Sérgio Rodrigues – confessamente movido pelos recentes casos de discriminação de alunos brasileiros em Portugal, que tiveram eco
muito negativo no Brasil – abandona a sua antiga fé na língua de Camões e exclama: “Adeus, Lusofonia!”. Baseia-se para isso na consulta que fez a dois compatriotas linguistas, que o levaram a considerar – ao contrário do que pensava antes – ser necessário
“transformar a poesia de Fernando Pessoa em terra estrangeira”! Com o prestígio que lhe confere o facto de ter sido vencedor do Grande Prémio Portugal Telecom de Literatura de 2014, Rodrigues relança, desta forma, uma polémica antiga, que apesar de ter sido
resolvida em meados do século passado, sempre tende a reemergir, sintoma que é de uma obsessão de diferenciação identitária do Brasil em relação a Portugal que ainda hoje persiste, 200 anos volvidos sobre a independência.
Uma ideia antiga
Com efeito, a ideia de língua própria não é nova. O Congresso Nacional brasileiro chegou mesmo, ainda na primeira República (1889-1930), a votar e rejeitar uma proposta no sentido de chamar “língua brasileira” ao português do
Brasil. Depois, a questão voltou à baila, ainda com mais intensidade, no primeiro terço do século XX, no contexto da homogeneização linguística e cultural promovida pelo governo Vargas. Em janeiro de 1941, o escritor Cassiano Ricardo, ligado ao regime, apresentou
à Academia Brasileira de Letras uma proposta no sentido de separar os dois idiomas. Se a língua é o dialeto dignificado – escrevia – dignifiquemos o nosso dialeto, dando-lhe a denominação de língua: “os filólogos portugueses são os primeiros a reconhecer com
absoluta lealdade que falamos um dialeto do português e, portanto, uma língua que se destacou de sua origem peninsular”. Na altura, a celeuma foi grande, com repercussão durante meses na imprensa, onde se sucederam argumentos pró e contra, até que a posição
totalmente desfavorável do renomado filólogo e gramático Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998) – para quem defender a existência de uma língua brasileira era “prova de analfabetismo e ignorância” – colocou ponto final no assunto. O que não impediu que, na senda de Cassiano, outros – como agora Rodrigues – tentassem ou tentem uma e outra vez ressuscitar o tema.
Razões infundadas
Um dos especialistas consultados pelo escritor brasileiro, o Prof. Marcos Bagno, da Universidade de Brasília, é um dos académicos que defende a separação. Para ele, “O português brasileiro precisa ser reconhecido como uma nova
língua.” São múltiplas as razões invocadas – diferenciações em relação ao Português de Portugal de ordem gramatical, morfológica, lexical, fonética, sintática… A verdade, porém, é que quase todas elas também existem em Portugal e eram até usadas por clássicos
lusos de finais do século XIX, designadamente Camilo. Como escreveu Ataliba de Castilho, “o conjunto de brasileirismos não é suficiente para fundamentar a existência de uma língua diferente.”. Por outro lado – e ao arrepio dos que defendem serem duas as línguas
– não deixa de ser interessante notar que se conservaram no Brasil termos e expressões clássicas que “têm uma fundamentação quinhentista insofismável”. Daí a sensação colhida por alguns, em Portugal, quando se passou a assistir às telenovelas, de que o Brasil
estava devolvendo aos portugueses a sua própria língua…
O próprio Bagno acaba, aliás, por reconhecer que, no fundo, a decisão que defende é ideológica e política: “No Brasil, nós pesquisadores estamos sempre falando “português brasileiro”; quem sabe, daqui a alguns anos, apaguemos
o “português” e fique só o “brasileiro”. Mas isso é uma questão eminentemente política.”
Intolerância pátria
Sérgio Rodrigues, ao seguir as indicações de Bagno, poderia ter até ter dado o passo seguinte e devolvido o prémio literário que recebeu, o que até certo ponto se compreenderia como resposta indignada às arbitrariedades de que
por vezes são objeto os alunos brasileiros em Portugal. Se o não fez – e ainda bem! – é porque afinal, apesar da indignação, continua com um pé na Lusofonia…
Dito isto, a verdade também é que parece haver entre nós uma atitude inadequada no que respeita à língua. Contrariando as posições oficiais, que reconhecem ser a diversidade do idioma nos diferentes continentes um valor a respeitar e preservar, em termos sociais ainda está muito difundida a ideia de que Portugal é o depositário da versão vernácula e os outros teriam de se conformar às nossas normas, quando, na realidade, não há donos da língua, uma vez que ela é de quem a fala. Episódios de discriminação – seja onde for – são, por isso, totalmente inaceitáveis e, além do mais, um erro que pode custar caro – como se vê agora pelas reações – aos interesses de Portugal e da Lusofonia, incluindo o Brasil.
A diversidade é um valor inestimável a preservar e defender sem ambiguidades – só nessa base a Lusofonia terá futuro e a língua portuguesa poderá continuar a ser um património comum de que todos se orgulham e compartilham e a todos mutuamente enriquece como capital cultural distintivo no mundo inteiro.
Por Carlos Fino
Jornalista, doutorado em Comunicação pela UMinho; foi conselheiro de imprensa na embaixada de Portugal no Brasil (2004-2012).