Da Redação
Com Lusa
A pesquisadora Ana Cordeiro Santos declarou que o “contexto de enorme contenção” das despesas que as famílias têm vivido e “o vislumbre” de uma melhoria no futuro podem ter levado os portugueses a gastarem mais neste Natal.
O fator psicológico também pode ter influenciado este comportamento, disse à agência Lusa a investigadora, explicando que depois de um período de forte contenção as pessoas precisam de sentir “um certo desafogo” e ter uma “vida menos deprimida do ponto de vista dos seus hábitos”.
A economista e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra comentava desta forma os gastos dos portugueses em compras neste Natal.
Dados da SIBS, gestora da rede Multibanco, revelam que as compras realizadas nos terminais de pagamento automático da rede Multibanco entre 23 de novembro e 27 de dezembro ascenderam a 3.712 milhões de euros, mais 7,3% que em igual período de 2014.
“A crise teve consequências no comportamento das famílias, que tiveram de conter as suas despesas de consumo”, e após alguns anos de “enorme contenção é natural que chegue um momento em que essa contenção seja um pouco aliviada”, porque as condições materiais o permitem, mas “também por questões psicológicas, porque as pessoas precisam de sentir um certo desafogo”, explicou.
A investigadora acrescentou que houve famílias que, provavelmente, contiveram as despesas de “uma forma excessiva devido a perspetivas muito pessimistas (…) e um eventual vislumbre de uma melhoria no futuro potenciou um aumento dessas despesas”.
Ressalvou, contudo, que este comportamento não é generalizado a todas as famílias, nomeadamente às de escassos recursos, que têm “necessariamente de continuar a conter as despesas”.
Este comportamento acontece nas “famílias com maior poder de compra, aquelas que eventualmente se contiveram mais e ao fim de alguns anos de contenção acabam por manifestar uma maior propensão para o consumo”, disse Ana Cordeiro dos Santos, que tem estudado o consumo e o endividamento das famílias.
Observou ainda que a crise foi “muito inesperada” e que “ninguém estava a prever a sua gravidade e o seu impacto ao nível do desemprego, dos cortes nos rendimentos, nas pensões, etc”.
Esta situação teve impacto no comportamento portugueses e no modo como passaram a encarar o crédito: Antes da crise, o crédito era entendido como “algo mais natural, com menor risco”, e com a crise “passou a ser entendido como algo com maior nível de risco”.
“Embora para algumas pessoas o crédito possa ser um último recurso quando faltam outras fontes de rendimento, em termos gerais há uma percepção mais negativa relativamente ao recurso ao crédito”, sublinhou a investigadora.
Preocupação
Já a Deco apelou aos portugueses que privilegiem a poupança e o consumo responsável, manifestando preocupação com os gastos das famílias neste Natal, que podem ter sido potenciados pela ideia incorreta do fim da crise.
Para a coordenadora do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) da Deco, Natália Nunes, estes dados “são preocupantes” porque as dificuldades financeiras das famílias permanecem.
“No que concerne a famílias em situação de dificuldade os números são semelhantes aos que se verificaram em 2014” e superiores aos de 2012 e 2013, o que permite verificar que “não há uma alteração significativa da situação financeira das famílias”, adiantou.
Por outro lado, “olhando para a situação das famílias em 2015 nós verificamos que ela até se agravou face a 2014”, sublinhou Natália Nunes.
Segundo a responsável, a maior parte das famílias que pede ajuda ao GAS já não tem qualquer capacidade de reestruturar a sua situação: “São famílias que vão ser confrontadas, se ainda não estão, com a penhora dos bens e dos rendimentos ou até com o recurso ao tribunal para pedirem a sua insolvência”.
Sobre as razões que poderão ter levado a este comportamento dos portugueses, apontou o “clima de alguma euforia” que se criou sobre o fim da crise.
“A verdade é que desde o verão tem-se criado um clima de alguma euforia que tem levado a que as famílias tenham a ideia, às vezes não correta, de que as dificuldades estão ultrapassadas, que a crise terminou e a sua situação financeira se vai alterar”, sublinhou.
Esta situação está a preocupar a Deco, que nos últimos tempos tem vindo a verificar, relativamente à concessão de crédito, que tanto as famílias, como as instituições de crédito, estão “a ter os comportamentos que tinham antes da crise, ou seja, estão a ser menos responsáveis na forma como lidam como o dinheiro”.
“A nossa preocupação vai no sentido de que tanto as instituições de crédito como as famílias não estejam a acautelar os seus direitos e não estejam a ser responsáveis na forma como lidam com o seu dinheiro e que isso venha a trazer consequências a médio prazo”, salientou.
O número de famílias sobreendividadas que recorreu à Deco estava no final de outubro próximo do nível verificado no mesmo período de 2014 (cerca de 26 mil), numa altura em que a taxa de poupança dos particulares estava em mínimos desde 1995.
“Há aqui já por parte dos consumidores o privilegiar do consumo e esquecer a poupança”, disse Natália Nunes, lamentando que a expectativa do GAS de que a crise servisse para alertar os consumidores para a necessidade de gerirem de forma correta o seu dinheiro, privilegiando a poupança, não ter tido esse efeito.
Numa altura em que se inicia um novo ano, Natália Nunes apelou às famílias para repensarem “a forma como lidam com o dinheiro” e como organizam o seu orçamento mensal. As famílias têm de contemplar “o consumo de forma responsável e privilegiar a poupança, que é fundamental se formos confrontados com algum imprevisto a curto prazo e para acautelar a idade da reforma”.