Por Jean Carlos Vieira Santos
Há um mercado em Maputo, capital de Moçambique, com profundas marcas culturais daquela paisagem africana, cujo destino não é prioridade nas agendas dos visitantes – talvez, possa estar na extremidade de uma leve intenção ou nas adjacências dos nossos desejos viajantes. Diante disso, as presentes linhas visam avaliar o Mercado Janet, localizado à Avenida Mao Tse Tung, nas proximidades da Igreja da Nossa Senhora das Vitórias. Tal via parece ser um lugar desinteressante para quem visita a capital do país; no entanto, na parte interna, a riqueza transborda em sua dimensão cultural.
Estávamos em um evento de turismo cultural na Universidade Politécnica e fomos convidados por estudantes moçambicanos daquela instituição para almoçar no Mercado Janet – tal proposta foi irrecusável, pois o nosso conhecimento sobre a paragem era zero e nos empolgou de fato. Caminhamos rapidamente por cerca de 400 metros para, enfim, encontrar o ilustre vizinho da universidade.
Ao chegar ao lugar, aceitamos a sugestão dos nossos anfitriões e, por caminhos estreitos, entre diferentes barracas com os comerciantes que transbordavam boas-vindas, fomos a um espaço de culinária frequentado por nossos cicerones. No primeiro contato, a partir do olhar viajante, o sentimento foi de aproximação com a cozinha brasileira, mas ao ser servido e provar o arroz com feijão, não restaram dúvidas de que os temperos e sabores são da África, com aromas arabizados que nos remetem ao bairro Mafalala, localidade emblemática da região.
Graças às boas energias do mosaico cultural, foi inevitável o contato com mulheres que trabalham de capulanas e circundam principalmente as cabeças, mas não visualizei apenas isso. Aqui destaco dois pastéis – a badjia, salgado feito à base do feijão-nhemba, e o Mahanti de camarão – essas iguarias marcaram a visita e enriqueceram os sujeitos viajantes.
Ao caminhar por corredores, compreendi que Janet é um espaço para perceber as tradições e raízes culturais presentes na modernidade. Esse território compreende acumulação do tempo de trabalho, mas está de braços abertos ao tempo livre, ao mostrar que a viagem é uma potência além dos negócios turísticos, em perspectivas que preenchem os vazios da alma humana. Independentemente do tempo e destino, seria como abrir os olhos, ter em mãos a literatura de José Craveirinha e atingir o patamar de adoração de algo desconhecido em um período anterior.
Reafirmo que, ao ter a viagem confirmada para esse destino banhado pelo Oceano Índico e entre vários lugares selecionados para visitar durante a nossa estadia, o Mercado Janet não fazia parte do sonho de passagem pelo lugar. Hoje, depois de milhares de quilômetros “rodados” e do regresso ao ponto de partida, pude fugir da fantasia e das visitas planejadas e legitimadas pelas mídias sociais. Longe do trade turístico, fomos atendidos com muita cortesia, o que nos indicou uma geografia caprichosa e resiliente.
Nessa ultrapassagem fronteiras dos guias de viagens, notei que o local visitado nos possibilitou interpretar a essência cultural que une as paisagens da capital moçambicana, inclusive no aspecto estético. Diante dessa articulação, posso sublinhar que Janet possui uma atmosfera envolvente que nos faz sentir sempre felizes e convidados, onde o atendimento se navega por águas calmas e portos de simpatias e acolhimentos.
Sendo assim, não poderia encerrar esse apanhado de palavras sem recomendar a visita, mas também propor a reflexão a ser revista para o fazer turismo no século XXI.
Jean Carlos Vieira Santos
Professor e Pesquisador da Universidade Estadual de Goiás (UEG/TECCER-PPGEO). Pós-doutorado em Turismo pela Universidade do Algarve (UALg/Portugal) e Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (IGUFU/MG).