UE: Ex-primeiro ministro lamenta as resistências a um acordo com o Mercosul

“Mas se queremos ser relevantes no plano geopolítico, então precisamos de mais aliados, mais amigos do que precisamos no passado”.

 

Mundo Lusíada com Lusa

O ex-primeiro-ministro advertiu nesta terça-feira que é impossível à União Europeia assumir-se como ator mundial geopolítico, com autonomia estratégica, se adotar um caminho de regresso ao protecionismo, e lamentou as resistências a um acordo com o Mercosul.

António Costa falava no Fórum de La Toja, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, num painel de debate em que também participaram os antigos primeiros-ministros Felipe Gonzalez, Francisco Pinto Balsemão e Mariano Rajoy, que foi moderado pela jornalista Teresa de Sousa.

Depois de Francisco Pinto Balsemão ter defendido um caminho para o federalismo na União Europeia e de Mariano Rajoy ter considerado urgente que os Estados-membros falem no mundo a uma só voz face a desafios colocados pela Rússia e China – além do crescimento de populismos a nível interno” -, o anterior primeiro-ministro português classificou como “desafiante o atual quadro europeu”.

A grande questão europeia, de acordo com António Costa, é a seguinte: “Se queremos ter autonomia estratégica, não podemos tê-la regressando ao protecionismo”.

“A autonomia estratégica da Europa implica uma abertura inteligente ao mundo. Isso significa termos acordos comerciais inteligentes com outros países do mundo, desde logo com a América Latina, que é extensão da Europa do outro lado do Atlântico. Se com eles não conseguimos fazer um acordo, com quem nós vamos conseguir fazê-lo? Vai ser com a China?”, questionou.

Sem falar especificamente na França, e tendo no seu painel o antigo chefe do Governo espanhol Felipe Gonzalez, António Costa referiu-se às resistências para um acordo entre a União Europeia e o Mercosul.

“As mesmas resistências que alguns tiveram para a adesão da Espanha à Comunidade Econômica Europeia [na primeira metade da década de 80] verificam-se agora para bloquear o acordo com o Mercosul. Mas há uma questão essencial que temos de colocar na Europa: Queremos ser um ator geopolítico relevante, ou queremos ser um mercado interno?”, perguntou.

Ora, de acordo com o anterior líder do executivo, se a opção foi por um mercado interno, a prioridade é a proteção da produção interna “custe o que custar na relação com países terceiros”.

“Mas se queremos ser relevantes no plano geopolítico, então precisamos de mais aliados, mais amigos do que precisamos no passado. Vamos discutir o custo da importação da carne da Argentina e do Brasil, ou vamos compreender que precisamos do Brasil e da Argentina como aliados fundamentais se não queremos ser esmagados entre uma enorme China, uns Estados Unidos que vão resistindo no ocidente e a Europa que vai encolhendo?”.

Para o ex-primeiro-ministro, há dificuldades no caminho para a adoção de uma política externa e de defesa comum na União Europeia.

“Todos estão de acordo que é necessária, mas o problema é que a visão do mundo de cada um dos 27 [Estados-membros] é marcada necessariamente pela sua própria experiência histórica. E não é por acaso que Portugal e Espanha são países tradicionalmente fomentadores do consenso no quadro europeu, porque não apresentam interesses relevantes que os dividam face a outros países e porque possuem uma visão bastante distanciada de conflitos que marcaram a Europa central e de leste”, alegou.

Neste contexto, apontou o exemplo da Polônia, defensora do apoio militar à Ucrânia, mas que, ao mesmo tempo, quer fechar as fronteiras aos ovos, galinhas e cereais provenientes da Ucrânia.

“Para um português ou para um espanhol isto é incompreensível. Mas eles acham tão essencial ganhar a guerra [na Ucrânia], como proibir essas importações. Esta é uma pequena ilustração do exercício prático da dificuldade”, referiu.

António Costa traçou em seguida diferenças estruturais de vivência histórica entre os dois países ibéricos e Estados-membros do leste europeu.

Portugueses e espanhóis “já andaram pelo mundo como descobridores, como colonizadores e como emigrantes. Temos uma forma de olhar para o mundo muito distinta”, sustentou, antes de avançar com um novo exemplo, desta vez citando um líder político polaco.

Em Portugal e na Espanha, ser ou não católico é uma questão de fé, “mas na Polônia é uma questão de identidade, porque é por sermos católicos que nos distinguimos dos alemães que são protestantes, dos russos que são ortodoxos e dos turcos que são muçulmanos”.

 Na perspetiva do ex-primeiro-ministro, portugueses e espanhóis andam pelo mundo há vários séculos.

“Estamos mais habituados a fazer um esforço para compreender os outros que têm estado fechados e enclausurados entre vários impérios que os tentam esmagar. Temos de compreender a História”, acrescentou.

Legislativas

Costa afirmou hoje que as eleições legislativas realizaram-se em circunstâncias “estranhas”, tendo como consequência uma falta de tração dos partidos centrais, PSD/PS, e admitiu ser fenômeno passageiro o resultado do Chega.

Interrogado sobre o crescimento de forças extremistas em Portugal e na União Europeia, o ex-líder do executivo começou por provocar risos na plateia ao agradecer a sua “aula prática” como ex-primeiro-ministro e referiu-se, depois, à forma como a anterior legislatura foi interrompida na sequência de um processo judicial, a chamada “Operação Influencer”.

“Continua a ser fundamental para a vitalidade da democracia que a polarização seja possível corporizar através dos dois grandes partidos do centro esquerda e do centro direita. Acho que não devemos sobrevalorizar a interpretação das últimas eleições, já que ocorreram em circunstâncias particularmente estranhas”, advertiu.

De acordo com António Costa, o que permitiu um maior crescimento “do partido populista de direita”, o Chega, “foi sobretudo o fato de os cidadãos não terem sentido nem no PS nem no PSD tração suficiente para a concentração necessária do voto”.

“Uma concentração para que pudessem ter votações acima dos 30%, como sempre tiveram quando ganharam”, apontou.

No entanto, acentuou o ex-primeiro-ministro, “não vale a pena exagerar na interpretação dos resultados” das ultimas eleições legislativas e “é preciso dar tempo para que as coisas retomem a normalidade”.

Na sua segunda intervenção, António Costa falou globalmente sobre a crise na habitação em Portugal e em vários países do mundo, considerando que se está perante um problema que terá uma resolução demorada.

Na origem, na sua perspetiva, estiveram vários anos de taxas de juro negativas, o que levou os capitais a refugiarem-se no imobiliário, assim como alterações na estrutura social, com mais cidadãos a viverem sozinhos.

António Costa assinalou ainda fenômenos como a liberdade de circulação de pessoas, com “vários países a apostarem na captação de capitais estrangeiros”, ou com o aparecimento de produtos como o Airbnb.

“Assistimos agora a um recuo e a uma maior regulação. Até o Governo conservador da Grécia decidiu acabar com os vistos gold” no imobiliário, referiu, antes de se pronunciar sobre um fator mais global e que, na sua opinião, “alimenta os populismos”.

“Esse sentimento é a ideia da falta de futuro”, acrescentou.

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