Por Carlos Fino
Quinta-feira Guterres indicou, na sexta Trump vetou. E como na ONU manda quem pode, ao contrário do que pretendia o secretário-geral, o ex-primeiro ministro da Autoridade Palestina (2007/2013) Salam Fayyad não será o enviado especial das Nações Unidas para a Líbia.
O veto ao indicado por Guterres veio através de um comunicado emitido pela nova embaixadora dos EUA junto da ONU, Nikki Haley, dando conta de que a administração do presidente Donal Trump ficara “desapontada” ao saber que o secretário-geral tinha proposto ao Conselho de Segurança a nomeação do palestino.
Justificação apresentada pelos EUA – o facto da Palestina não ser membro de pleno direito das Nações Unidas. Mas a própria embaixadora acaba por reconhecer, no seu comunicado, que a razão do veto foi mais política do que formal, ao afirmar: “Há muito que a ONU vem sendo injustamente favorável à Autoridade Palestina em detrimento dos nossos aliados em Israel”.
O porta-voz de Guterres ainda defendeu a indicação de Salam, afirmando ter sido “apenas baseada nas suas reconhecidas qualidades pessoais e competência para o desempenho do cargo”. Mas isso de nada valeu. Trump, que recebe o primeiro ministro israelita Netanyahu na próxima quarta-feira em Washington, terá querido assim marcar ostensivamente que está disposto a inflectir a posição dos EUA num sentido mais favorável a Tel-Aviv.
É pelo menos assim que os próprios israelitas interpretam: o embaixador de Israel na ONU, Danny Danon, saudou o veto americano, considerando estarmos no “início de uma nova era, em que os EUA estarão firmemente ao lado de Israel contra toda e qualquer tentativa de o prejudicar”.
O QUE FALHOU?
Seja ou não assim, a verdade é que o desenlace é, no mínimo, estranho.
Político hábil, muito experiente e cauteloso, Guterres certamente sondou previamente todas as partes envolvidas antes de tomar uma decisão.
Esse é, em geral, o modus faciendi da política internacional e muito em particular dos corredores da ONU. É a velha regra mineira da negociação de bastidores, em que, como ensinou Tancredo Neves, primeiro recebe-se a resposta e só depois se escreve a carta…
A indicação de Fayyad parecia aliás fazer parte de um pacote equilibrado, em que, à nomeação de um palestino seguir-se-ia a designação de uma personalidade israelita para um alto cargo na ONU.
Segundo o diário israelita Haaretz deste domingo, Guterres teria proposto à antiga ministra dos negócios estrangeiros de Tel-Aviv, Tzipi Livni, líder da coligação de centro-esquerda União Sionista, no Knesset, um alto cargo na ONU, dando assim mais visibilidade e poder de intervenção aos israelitas nas Nações Unidas.
Agora, com o veto americano ao ex-primeiro ministro palestino, e se não houver outra contra-partida, a designação da parlamentar israelita pode ficar comprometida.
Na aparência favorável a Israel, o veto ao palestino pode afinal virar-se contra Tel-Aviv… Maquiavel não faria melhor. A menos que Trump, em mais um volte-face, acabe por aceitar o que a sua embaixadora começou por rejeitar.
Para já, o que parecia uma decisão previamente negociada e equilibrada, ficou desfeita e o jogo terá de recomeçar.
Quem sai certamente a perder deste episódio é Guterres, agora na sua primeira viagem como secretário-geral da ONU ao Médio Oriente. De um momento para o outro e por culpa de Trump, viu evaporar-se uma solução de equilíbrio que poderia ter sido a sua melhor mensagem numa região tão dividida e conturbada.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.