Por Carlos Fino
Sempre que há um atentado terrorista, manda uma regra básica de conduta e simples decência humana que antes de mais se expresse solidariedade às vítimas.
Quaisquer possíveis divergências com os países ou governos alvos desses ataques são, nesses momentos críticos, deixadas de lado, já que um valor mais alto se alevanta – o de condenar sem equívocos a barbárie que é atentar contra a vida de pessoas inocentes, sejam elas de que nacionalidade for, quaisquer que sejam a sua cor de pele ou o seu credo, ou ainda sob que regime vivam.
Nem todos os atentados causam, é certo, a mesma comoção. Dezenas ou centenas de vitimas no Iraque ou no Iémen, por exemplo, não têm, a Ocidente, o mesmo impacto que um ataque terrorista nos EUA ou em qualquer cidade europeia. E também não me consta que a Torre Eiffel se tenha iluminado com as cores da bandeira russa quando dos recentes ataques terroristas no metro de S. Petersburgo…
Por mais que se tenha avançado na globalização, o nosso sentido de empatia humana, tributário de uma longa tradição tribal, ainda depende muito da proximidade.
Mas, pior que isso, é quando as divergências políticas se intrometem, impedindo ou diminuindo a expressão da nossa solidariedade, que, por uma simples razão de coerência, deveria ser absolutamente inequívoca e universal.
Infelizmente, foi isso que fez a semana finda o presidente americano Donald Trump, quando, reagindo aos atentados terroristas em Teerão, não se eximiu de afirmar que “os Estados que apoiam o terrorismo arriscam-se a tornar-se vítimas do mal que promovem”.
Uma observação no mínimo inoportuna, já que Teerão foi vítima dos mesmos grupos islamitas de inspiração sunita que nesta mesma semana voltaram a atacar em Londres.
O Irão apoia, é certo, o Hezbollah, no Líbano, e o Hamas, na faixa de Gaza. Mas estes grupos estão envolvidos nas lutas regionais locais, não constando que nenhum deles tenha até agora cometido ataques no Ocidente.
Em Londres, Paris, Marselha, Madrid… os ataques terroristas têm vindo de grupos de inspiração sunita, da Al-qaeda, ou do chamado Estado Islâmico, muito mais próximos da Arábia Saudita da ideologia fundamentalista do wahabismo promovida pela ditadura de Riad, próxima aliada dos EUA- do que das organizações apoiadas por Teerão.
Infelizmente, em vez de pura e simplesmente condenar o terrorismo, venha ele donde vier, como deveria ter feito, Trump pareceu mais interessado em deixar nas entrelinhas o seu posicionamento anti-Irão.
Um sentimento aliás que é hoje dominante em Washington. Apesar do momento ser o menos oportuno – horas depois dos atentados em Teerão – o Senado dos EUA não se eximiu de votar por maioria esmagadora uma lei que vai impor novas sanções ao Irão. Alguns senadores democratas ainda sugeriram adiar a votação, mas foram vencidos.
Com tais posicionamentos, Washington arrisca-se a aprofundar perigosamente ainda mais as divisões que percorrem o Médio Oriente. E lança dúvidas sobre a sua real vontade ou capacidade de combater efetivamente o terrorismo.
Como referia há dias, em comunicado, o National Iranian-American Council, citado pelo Washington Post, “administrações que não têm empatia com o sofrimento humano arriscam-se a perder a sua humanidade” e “presidentes que não reconhecem genuinamente as vítimas do terrorismo são incapazes de liderar a luta contra o terror”.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.
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