Tribunal de Contas detecta déficit de transparência e imprecisão no fundo pós incêndios

Incêndio Florestal em Vieira de Leiria. Foto Helio Madeiras

Mundo Lusíada
Com Lusa

O Tribunal de Contas (TdC) detectou déficit de transparência e imprecisão na utilização e na execução do Fundo Revita, considerando que a população afetada pelos incêndios de junho de 2017 em Portugal não foi suficientemente envolvida.

“A definição dos critérios e requisitos para o acesso ao Fundo Revita e para a concessão dos apoios não foi suficientemente participada e transparente, foi imprecisa e não se focou integralmente nas necessidades sociais e foi objeto de alteração durante o processo”, refere o relatório do TdC.

Apesar de inicialmente ter sido definido que o principal destino dos donativos canalizados para o Revita seria o financiamento da reconstrução e apetrechamento das habitações afetadas pelos incêndios, “foi, entretanto, decidido apoiar prejuízos agrícolas – para os quais foram canalizados 58% dos fundos”.

A conclusão consta de uma auditoria do TdC ao Fundo Revita, pedida pela Assembleia da República, com o objetivo de determinar a adequação deste instrumento na assistência humanitária e para verificar os sistemas de controle instituídos, bem como a transparência, conformidade e eficácia da sua utilização.

Criado pelo Governo para gerir donativos de apoio às populações e revitalização das áreas afetadas pelos incêndios de junho de 2017 nos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria, o Fundo Revita teve uma dotação financeira de 7,3 milhões de euros a que se somaram donativos em espécie que, até 31 de março de 2019, totalizavam cerca de 600 mil euros.

Sobre os valores em causa, o relatório assinala que a constituição deste instrumento foi “transparente no que se refere aos donativos em dinheiro”, mas o mesmo não se passa relativamente aos donativos em espécie, cujo valor “não está claramente determinado”, e os municípios “não cumpriram a determinação regulamentar de integrar no Fundo os bens que lhe haviam sido doados”.

A auditoria também verificou que as necessidades de apoio inicialmente listadas identificavam danos e necessidades de intervenção em 491 habitações, incluindo 169 de primeira habitação, no total de concelhos afetados pelos incêndios (sete), mas a lista seria corrigida, acabando por serem intervencionadas 259 habitações permanentes.

Num relatório que faz reparos à “insuficiência de sistemas de controle e de gestão de risco ético”, o TdC assinala ainda a falta de controles ‘in loco’ e a ausência de uma lista priorizada dos pedidos de apoio que permitisse a tomada de decisão.

Para o TdC não é claro que os apoios tenham sido adequados às necessidades e prioridades tendo em conta que os apoios à agricultura estão totalmente concretizados (ao contrário do que sucede nos que se destinam à reconstrução de habitações destruídas ou danificadas).

O relatório assinala igualmente que foram alterados os critérios para caracterizar uma habitação permanente, sendo que esta mudança surgiu já depois de apresentados muitos pedidos de apoio.

Reanálise das suspensões

O Conselho de Gestão do Fundo Revita classificou de “imprecisas” e “incorretas” algumas observações e avaliações que constam da auditoria do Tribunal de Contas. Segundo o grupo, a auditoria “não valoriza devidamente as circunstâncias de emergência que determinaram a urgente montagem – num curto espaço tempo e a partir da estaca zero – de um aparelho de resposta à crise social gerada pelos incêndios”.

O Conselho de Gestão do Fundo Revita vai reunir-se no dia 29 e deverá debater nesse momento a suspensão de apoios das habitações afetadas pelo incêndio de Pedrógão Grande que não foram visadas pelo Ministério Público ou que viram o seu processo arquivado, na sequência da investigação de suspeitas de fraude na reconstrução das casas queimadas, disse António Mendes Lopes, representante das câmaras municipais no Fundo Revita, organismo criado pelo Governo para gerir donativos de apoio às populações afetadas.

Segundo António Mendes Lopes, foi pedido um parecer jurídico sobre o despacho do Ministério Público sendo que, caso este esteja pronto até ao dia da reunião do Conselho de Gestão, deverá ser tomada uma decisão sobre a retirada ou não da suspensão dos casos que não foram objeto de suspeita do Ministério Público ou que foram arquivados na sequência da acusação.

O também chefe de divisão de obras municipais de Figueiró dos Vinhos não entende “grande parte das críticas” do Tribunal de Contas e salienta ainda que toda a atividade do organismo foi auditada e aprovada por serviços do Estado.

O representante das autarquias no Fundo Revita realça que a fiscalização foi assegurada por serviços do Estado, porque o Fundo Revita não tinha meios para tal, e frisou que “há toda a documentação que justifica as despesas” efetuadas e que foi disponibilizada a todos os organismos do Estado.

A documentação apenas “não foi tornada pública, porque este é um meio pequeno e escarrapachar os nomes das pessoas poderia criar um certo mal-estar” na população, tentando-se evitar atritos que se poderiam gerar nas aldeias, afirmou.

António Mendes Lopes explicou ainda que os apoios na área da agricultura foram atribuídos mediante o levantamento e comunicação dos danos por parte da Direção Regional de Agricultura e que o dinheiro que ainda falta aplicar (815 mil euros) só irá ser usado após a conclusão das obras ainda em curso, visto que ainda faltam pagamentos nessa área.

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