Tráfico de imigrantes é “problema estrutural” e polícia intervém porque sociedade “falha”

Mundo Lusíada com Lusa

O ministro português da Administração Interna, José Luís Carneiro, lembrou que o tráfico e exploração de imigrantes “é um problema estrutural” e, quando as forças policiais intervêm, “é sinal” de que a sociedade “tem vindo a falhar”.

“Não é um problema novo, é um problema estrutural”, em termos internacionais, afirmou neste dia 25 aos jornalistas o governante, no Comando Territorial de Évora da GNR, onde presidiu à inauguração do Espaço “Maria e António”, a renovada sala dedicada ao atendimento à vítima.

À margem da cerimônia, o ministro foi questionado pelos jornalistas sobre a operação da Polícia Judiciária (PJ), em colaboração com outras entidades, que permitiu deter, na quarta-feira, 35 pessoas pertencentes a uma rede criminosa que contratava trabalhadores estrangeiros para a agricultura no Baixo Alentejo.

Sobre se existem meios policiais e fiscalizadores suficientes em todo o território, nomeadamente no Alentejo, para controlar e atuar neste fenômeno do tráfico de seres humanos e da imigração ilegal, que tem como destino a agricultura, o governante retorquiu: “Nós, em regra, procuramos colocar na polícia aquilo que deve estar no conjunto da sociedade”.

“Quando a polícia intervém, é sinal de que o conjunto da sociedade tem vindo a falhar”, afirmou, defendendo que “a primeira preocupação que tem de existir é saber se quem emprega” o faz “respeitando todas as regras exigidas para empregar, nomeadamente um contrato de trabalho, condições adequadas e dignas para o exercício das atividades laborais”.

Em segundo lugar, “é preciso verificar se as pessoas que entraram” no país o fizeram “regular ou irregularmente e, por isso mesmo, aí sim intervêm as forças policiais”, como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), a GNR e a PSP, “para verificar se esses fluxos são regulares ou irregulares”, argumentou.

Trata-se de “um esforço que tem que ser conjugado por parte de várias entidades que têm de procurar, em primeiro lugar, respeitar os direitos humanos fundamentais, salvaguardar os direitos humanos, os direitos sociais e os direitos constitucionais de quem vive, de quem trabalha no nosso país”, insistiu.

O ministro lembrou que já está a ser dado “um passo muito importante em relação ao futuro” do país, ao “integrar responsabilidades que eram do SEF em três corpos policiais”, a PJ, a PSP e a GNR, que “vão cooperar para garantir a segurança e a gestão integrada da fronteira” e “as práticas ilegais e o combate ao tráfico de seres humanos”.

E está a ser reformada “esta arquitetura do sistema de gestão dos fluxos migratórios”, com a criação de uma agência para as migrações e para o asilo, ”criando maior capacidade ao país para precisamente receber, acolher e integrar” quem procura Portugal, referiu.

As operações policiais “fazem parte de apenas uma dimensão da complexidade dos fenômenos e dos fluxos migratórios”, que “têm de ser entendidos também na sua complexidade e na sua globalidade”, defendeu o ministro.

Apoios

As autoridades portuguesas têm em curso o trabalho de identificação das necessidades das vítimas da rede, segundo o relator Nacional para o Tráfico de Seres Humanos. O responsável indicou que está agora a decorrer o trabalho de “identificação e avaliação” das necessidades de todos os imigrantes alegadamente explorados por esta rede criminosa.

“Estamos a trabalhar no sentido de procurar garantir os apoios, sejam eles do ponto de vista formal ou legal, a transmissão de direitos ou de enquadramento judicial”, adiantou o relator Nacional para o Tráfico de Seres Humanos, Manuel Albano.

“Aquilo que temos ouvido de um lado e do outro é que haverá pessoas com documentação meio irregular, totalmente regular e completamente irregular, fruto do próprio sistema de exploração que eventualmente estaria a ser alvo”, acrescentou.

Segundo o Alto Comissariado para as Migrações- ACM, o número de migrantes apoiados no âmbito do desmantelamento desta rede de tráfico de pessoas ascende a 218, 62 dos quais foram encaminhados para alojamentos de emergência.

Sem surpresa

Já o chefe da missão da Organização Internacional para as Migrações em Portugal disse que a rede de tráfico de imigrantes no Alentejo desmantelada esta semana não surpreendeu aquela entidade, que há dois anos alerta para esta realidade.

“Estas investigações criminais que estão a ocorrer no Alentejo não são algo que seja propriamente uma novidade para a Organização Internacional para as Migrações [OIM]. Temos, aliás, alertado várias vezes ao longo destes últimos dois anos para esta realidade, não só para Portugal, mas também para muitos outros países”, afirmou Vasco Malta em declarações à Lusa.

Para o responsável da OIM, a forma de evitar que este tipo de redes progridam e que os emigrantes não caiam nas suas mãos “é garantir que as pessoas não têm necessidade de recorrer a intermediários para fazer o seu processo migratório”, independentemente de qual seja a sua nacionalidade.

Isto quer dizer que o processo migratório tem de ser célere e transparente desde a origem do migrante à chegada ao país de destino, defendeu.

Concluindo que todas as redes têm em comum um mesmo comportamento: “Prometer e atrair as pessoas migrantes com algum trabalho bem remunerado, além de que cobram um determinado valor a ser pago com o salário ou parte do salário da pessoa que vem para o país trabalhar” ou seja “há uma exploração da necessidade” das pessoas de terem “melhores condições de vida”.

Para o processo migratório ser mais célere e seguro, Vasco Malta considera que tem de haver formas mais expeditas de o migrante pedir vistos ainda no país de origem.

Deve ser também estudada a hipótese de criação de processos coletivos de solicitação de vistos, por exemplo quando uma determinada empresa queira contratar várias pessoas num mesmo país, e devem ser feitas parcerias entre instituições privadas e públicas, para garantir que entre estas há “um canal de comunicação aberto”, além de haver uma articulação e envolvimento do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) com as instituições homólogas de outros países.

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