Entrevista especial com Ruben Alves, o realizador do filme que conta a história de um casal de emigrantes portuguesas na França.
Da Redação
Ruben Alves é lusodescendente, nasceu em Paris, mas tem Portugal no coração. Realizou o primeiro grande filme sobre a emigração portuguesa na França, “A Gaiola Dourada”, cofinanciado pela Pathé e pelo primeiro canal de televisão francês, TF1.
A “comédia à portuguesa” é o resultado de “trinta anos de observação” dos pais e familiares que rodearam o cineasta. O filme retrata um casal de emigrantes que vive num bairro nobre na França há 30 anos. A mulher, porteira, e o marido, trabalhador da construção civil, são interpretados, respectivamente, por Rita Blanco e Joaquim de Almeida. Até que um dia, uma herança inesperada proporciona aos dois a oportunidade de sair da pequena casa e voltar a Portugal.
Confira abaixo trechos da entrevista concedida ao Carlos Pereira, do LusoJornal, onde o cineasta fala sobre a produção que é sucesso de público. O filme, que estreou no Brasil em fevereiro, foi o mais visto em Portugal em 2013, teve mais de 1,2 milhão espectadores na França e foi o vencedor do Prêmio do Público no The 26th European Film Awards. Trailler >>
O filme inspira-se muito nos teus próprios pais. São os dois portugueses?
Ruben Alves: Sim. O meu pai é de Guimarães e a minha mãe é de Valpaços, mas nasceu em Lisboa. Vieram para França com 16-17 anos e encontraram-se cá. Eu nasci aqui, em Paris 16.
E qual é a tua relação com Portugal?
Ruben Alves: Em pequeno, ia todos os anos passar férias a Lisboa e ao norte. Sempre gostei imenso de Portugal. A partir da minha adolescência comecei a dar mais importância às riquezas do país e comecei cada vez mais a ir sozinho a Portugal. Quando vou para lá, tenho uma segunda vida. Tenho outros amigos, tenho um telemóvel português e corto o telemóvel francês, é uma vida completamente diferente. Por exemplo, lá tomo o pequeno-almoço todos os dias, enquanto aqui nunca o tomo. Em 2007 comprei uma casa na Bica, em Lisboa, e agora vou ainda mais vezes a Portugal.
Em França, fizeste estudos de cinema?
Ruben Alves: Depois do liceu entrei numa escola de teatro. Mas desde garoto que eu filmava com o Hugo Gélin, o meu produtor. Durante o ano escrevíamos os filmes e nas férias, pegávamos numa câmara e filmávamos. Em setembro, fazíamos uma projeção para os amigos, com os filmes filmados durante o verão. No fundo, posso dizer que sou um autodidata porque sempre aprendi assim, fazendo. Em 2001 fizemos uma curta metragem, “A l’abri des regards indiscrets”, com muitos atores conhecidos, nomeadamente Jean Dujardin. Foi uma experiência super engraçada. Eu gostava mesmo da realização. Também realizei uma publicidade, mas continuei sempre a atuar como ator.
As personagens do filme foram inspiradas de pessoas reais?
Ruben Alves: Sim, claro. A maior inspiração é a minha própria família. Mas não é um filme autobiográfico. Tudo o que se passou eu não o vivi, mas é muito inspirado. Dedico aliás o filme aos meus pais porque as personagens de Maria e José são muito inspiradas neles. O resto é ficção. E, claro que vivi algumas situações.
Como surgiu a ideia do filme?
Ruben Alves: Eu fui fazer umas obras na casa que comprei em Portugal e escrevi lá um guião para um filme sobre os Franceses expatriados em Portugal. Eu queria gravar em Lisboa porque a cidade tem uma luz magnífica. O Hugo Gélin leu e perguntou-me porque não escrevia algo sobre mim. Tenho 30 anos, acho que tenho recuo e maturidade por ter vivido várias situações e poder falar do que eu conheço. Então aceitei o desafio e comecei a escrever este filme.
O tema pode ser perigoso e reforçar ainda mais os clichés sobre os Portugueses de França?
Ruben Alves: Eu tive muita apreensão durante a fase da escrita do filme. Escrevi com um cocenarista francês chamado Jean-André Yerlès precisamente porque queria ver a percepção dele em relação aos clichés. Eu escrevia coisas e por vezes queria saber como ele reagia. Tive muito cuidado, estava muito inquieto, porque não queria trair esta Comunidade. O cliché era obrigatório para chegar a um público francês, pegar no que eles pensam, mas dar uma reviravolta e mostrar o que está por detrás do cliché. Isso era importante para mim.
E como têm reagido os Franceses que viram o filme?
Ruben Alves: Curiosamente, gostam da emoção e da ternura das personagens da história. Estou um pouco surpreendido por isso. Pensava que eles não iam entender. Mas dizem-me que o filme é universal.
E os Portugueses que viram o filme?
Ruben Alves: Os Portugueses emocionam-se muito, porque o filme lhes toca. Saem com os olhos vermelhos. Esta é uma ficção, e claro que não é a história de todos os Portugueses de França. Claro que há outros Portugueses que são chefes de empresa, e fazem outras coisas. Mas esta é a minha história. E cada um de nós contaria uma história diferente, claro.
Terminar o filme no Douro é uma vontade de mostrar Portugal?
Ruben Alves: Eu costumo dizer que o Ofício de Turismo devia pagar-me pela promoção que faço de Portugal (risos). Sou um defensor de Portugal. Cada vez que um ator, um realizador, ou qualquer um dos meus amigos quer ir a Portugal pede-me contatos. Eu já tenho listas prontas que mando em função das pessoas. Estou sempre a fazer publicidade do meu país, mostro tudo o que Portugal tem de bom, as pessoas, o fado, a gastronomia,… […]Para mim é vital falar do fado. Não podia fazer um filme sem fado. Não é por ser Português, é porque eu adoro fado.
Não esperava ver a Catarina Wallenstein a cantar fado…
Ruben Alves: É uma amiga e uma grande atriz. Ela sempre cantou, a mãe é professora de lírica, o pai é contrabaixista, o irmão tem um grupo de rock,… Quando eu estava a escrever um guião do outro filme, perguntei-lhe se ela cantava fado, mas respondeu-me que não. Um dia mais tarde, telefonou-me para me encontrar em Lisboa e cantou-me um fado. Fiquei de boca aberta. Acho que ela é linda, é uma boa atriz e tinha de a ter no filme. Foi um momento único, eu queria que ela cantasse em direto, não é estúdio, quando ela acabou de cantar, eu disse corta e metade da minha equipa estava a chorar, toda a gente esta comovida, vivemos uma coisa única.
Foi difícil escolher estes atores?
Ruben Alves: Tive sorte porque todos os atores que quis, disseram que sim. O Joaquim de Almeida foi uma coincidência. Uma amiga apresentou-mo em Cannes, havia um buffet e ele disse-me ao ouvido “não há nada que se coma”. Eu achei isto tão português que vi o José ali à minha frente. Dei-lhe o guião e ele disse-me que sim.
Depois estava à procura de quem representasse a Maria, a concierge. Tinha de ser uma vítima, mas sem ser vítima, queria que tivesse elegância,… Toda a gente me dizia que tinha de ser a Rita Blanco. Vi uma série que ela fazia e percebi que ela encarnava a personagem com muito natural. Ela leu e gostou. Temos a mesma ideia do trabalho de cinema, a mesma exigência nos pormenores e temos a mesma sensibilidade.
Quanto à Maria Vieira… era evidente para mim. Pequenina, com muita genica,… Disse para comigo, meu Deus, se eu conseguisse… Ela estava no Brasil, telefonei-lhe, foi muito calorosa, tratou-me logo por querido. Leu o guião e disse-me ‘já vi que a gente é da mesma praia, que gostas de fazer as coisas com o coração”, e aceitou.
Também era importante apresentar as marcas portuguesas no filme?
Ruben Alves: Na preparação do filme encontrei muita gente com quem podia trabalhar. Pensei que um filme com esta divulgação, sobre os Portugueses, era o momento de os implicar. Por vezes fiquei desiludido porque nem sempre tive respostas, foram muito lentos, não estão habituados… Mas consegui alguns como a Compal, Sumol, Super Bock, VIP, Scovandeli, Canelas…
E agora, o que vais fazer?
Ruben Alves: Estou a trabalhar numa outra história, tenho uma ideia que não tem nada a ver com Portugueses, mas tem qualquer coisa em comum: mais uma vez é sobre uma população particular sobre a qual temos muitos clichés. Mais uma vez continuo neste registro de encontrar clichés e de os desmontar. O meu cinema tem de ser assim, gosto de tratar os assuntos de maneira ligeira, numa comédia, mas tenho de tratar de assuntos com profundidade.