As jovens Repúblicas: brasileira e portuguesa participaram ao lado da Tríplice Entente de algumas operações militares durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Apesar de periférico, o envolvimento dos dois países teve sua importância para as relações luso-brasileiras e, em particular, demonstrou o empenho de parte da colônia portuguesa domiciliada no Brasil em servir sua pátria distante.
A República portuguesa, proclamada em 1910, conheceu com poucos anos de existência as vicissitudes de uma guerra mundial. O país possuía um relevante império colonial com possessões em África e Ásia, porém devido ao frágil poder militar e diplomático para enfrentar seus rivais o império português foi alvo de negociações de partilha. Os dirigentes republicanos após 1910, em uma Europa majoritariamente monárquica, tiveram de enfrentar a hostilidade da Espanha e o distanciamento da preciosa aliada: a Inglaterra. No plano interno a unidade do Partido Republicano Português foi desfeita com o surgimento dos partidos unionista, evolucionista e democrático, este último tornou-se hegemônico na política nacional. Para o Partido Democrático a entrada de Portugal no conflito, ao abrigo da aliança com os ingleses, significaria a possibilidade de reafirmar a soberania portuguesa sobre os territórios coloniais, unir a família republicana (e talvez todos os portugueses) em torno do projeto bélico “nacional” sob a égide dos democráticos, garantir maior credibilidade internacional para a jovem República e uma grande possibilidade para demonstrar lealdade à Grã-Bretanha. Após solicitação britânica, o governo português decidiu requisitar as embarcações germânicas fundeadas em seus portos. Em 9 de março de 1916 o Império Alemão declarou o Estado de Guerra contra Portugal. Entretanto, foram registrados conflitos entre tropas portuguesas e alemãs na África desde 1914 em uma guerra não oficial.
No caso brasileiro, após a proclamação da República em 1889 as relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos cresceram consideravelmente. Os representantes brasileiros participaram de conferências pan-americanas, a primeira embaixada brasileira no exterior foi aberta em Washington em 1905 e os Estados Unidos eram os principais consumidores do café, borracha e cacau brasileiros. Em abril de 1917, na sequência da guerra submarina alemã no atlântico norte, os Estados Unidos entram na guerra ao lado da Tríplice Entente. Em 26 de outubro do mesmo ano, após o torpedeamento de navios mercantes brasileiros no litoral europeu por submarinos alemães e em apoio ao governo estadunidense, o Brasil anunciou sua entrada no conflito militar. A entrada do Brasil na guerra provocou grande regozijo entre os portugueses, pois significava um reforço à causa aliada além de contribuir para uma maior aproximação entre as duas nações.
O esforço de Portugal para participar ativamente do conflito parece ter sido maior do que o brasileiro, pelo menos em relação aos custos humanos e levando em conta os recursos econômicos disponíveis, através de cálculos demográficos oficiais realizados e as informações pormenorizadas sobre a importância dos efetivos mobilizados e suas baixas, identificamos que a República dos Estados Unidos do Brasil contava com, aproximadamente, 21.500.000 habitantes em 1906, contribuiu na guerra com: a organização da Divisão Naval de Operações de Guerra (DNOG) constituída por sete navios que partiram rumo a Gibraltar, uma missão de oitenta e seis médicos para servir em um hospital militar na França, um grupo de aviadores e Oficiais do Exército que combateram ao lado de unidades francesas. A República Portuguesa, contando com 6.000.000 de habitantes em 1911, realizou um acordo com os aliados para o embarque de duas divisões do Exército totalizando 55 mil homens, organizou o Corpo Expedicionário Português (CEP) que atuou em combates na região de Flandres, além dos esforços bélicos travados nas colônias africanas contra tropas alemãs a partir de 1914. Ao todo o lado português contabilizou cerca de 10.000 mortos e feridos vitimados em combates no mar, no continente africano e na campanha de Flandres.
A primeira consequência importante do conflito nas relações entre Brasil e Portugal esteve relacionada à imigração. Com a guerra o fluxo de imigrantes para o Brasil caiu significativamente: no ano de 1913, 76.701 imigrantes lusos desembarcaram nos portos brasileiros, a partir do início do conflito, em 1914, esse número caiu para 27.935. O índice mais baixo registrado ocorreu em 1917 contando com apenas 6.817 desembarques. Do ponto de vista comercial, a deflagração do conflito, provocou uma importante medida: a cidade de Lisboa passou a ser um entreposto dos brasileiros para a difusão de seus produtos no continente europeu.
Parte da colônia portuguesa no Rio de Janeiro mostrou-se preocupada e atuante diante dos desdobramentos da guerra em Portugal. Em 1917 foi fundada a Grande Comissão Pró-Pátria, com o objetivo de apoiar o país no conflito, ligada à comissão foi montada a chamada “Obra de Proteção aos Órfãos da Guerra”. Essa ação visava subsidiar e amparar os filhos de soldados portugueses mortos no conflito, estes órfãos seriam educados e criados pela colônia portuguesa no Brasil. O poeta e historiador Carlos Malheiro Dias esteve envolvido com o projeto, realizou uma viagem para Lisboa com o intuito de conseguir a equiparação da “Obra” às instituições de beneficência (que gozavam de certas isenções tributárias) e também para conseguir, do Ministério da Guerra, uma lista periódica dos órfãos.
A entrada brasileira na guerra foi precedida por uma campanha nacionalista que culminou com a instituição do serviço militar obrigatório. Esse cenário contribuiu para a retomada do anti-lusitanismo que confrontava com as teses que exaltavam a fraternidade luso-brasileira reforçada devido à guerra. A imprensa firmou-se como um campo fértil para o debate dessas duas correntes antagônicas.
Ewerton Luiz Figueiredo Moura da Silva
Historiador formado pela UNESP, autor de pesquisa sobre a compreensão das relações luso-brasileiras no período do Holocausto de 1914.