Da Redação com Lusa
O Tribunal Constitucional (TC) advertiu que qualquer “acordo informal” entre os partidos políticos no sentido de aceitar os boletins de voto que não sejam acompanhados por fotocópia do documento de identificação do eleitor é “grosseiramente ilegal”.
No acórdão, que deliberou sobre um recurso apresentado pelo partido Volt Portugal, o TC refere-se à reunião ocorrida no dia 18 de janeiro entre os delegados das listas de candidatura para a escolha dos membros das mesas das assembleias de recolha e contagem de votos dos eleitores residentes no estrangeiro.
Nessa reunião, os partidos acordaram aceitar “como válidos todos os boletins cujos envelopes permitam a identificação clara do eleitor e descarga nos cadernos eleitores desmaterializados, mesmo que o envelope não contenha cópia do cartão de cidadão ou bilhete de identidade”, alegando que essa cópia “serve, afinal e apenas, como reforço das garantias do exercício pessoal do voto”.
No acórdão que deliberou declarar a nulidade das eleições na maioria das mesas do círculo da Europa, que terão de ser repetidas, os juízes do Palácio Ratton avisam que a Lei eleitoral da Assembleia da República “não atribui aos partidos políticos concorrentes à eleição, designadamente por via dos seus mandatários ou delegados, a faculdade de deliberar sobre os requisitos de validade dos votos”.
E apontam que “toda essa matéria – como não podia deixar de ser – está sob reserva de lei, devendo as decisões concretas sobre a validade de votos ser tomadas pelos órgãos eleitorais competentes, segundo o procedimento expressamente regulado e mediante a aplicação dos critérios legais”.
“Assim, qualquer «deliberação» − ou, melhor dizendo, acordo informal − que tenha sido tomada pelos partidos políticos no sentido de se dispensar a junção da fotocópia do documento de identificação ao boletim de voto é grosseiramente ilegal – ultra vires –, não produzindo os efeitos jurídicos conformes ao respectivo conteúdo”, advertem.
No acórdão hoje divulgado, os juízes conselheiros consideram que “seria manifestamente ilegal” considerar válidos todos os votos, mesmo aqueles que não chegaram acompanhados de fotocópia do documento de identificação do eleitor, argumentando que a lei “não deixa margem para dúvidas” e que um voto postal que não cumpra os requisitos previstos “é irremediavelmente inválido”.
O TC refuta também o argumento de que reproduzir um documento de identificação pessoal possa constituir uma forma de “coação do eleitor”, argumentando que o exercício do direito de voto “constitui um dos casos expressamente previstos na lei” para que isso possa acontecer.
Apontando que “foram considerados validamente expressos 36.191” votos e nulos 157.205, o TC defende que “quando o número total de votos anulados sobreleva o número total de votos considerados validamente expressos em cerca do quádruplo, é mais do que plausível conceber cenários em que o número de votos válidos, mas que acabaram anulados e desconsiderados em razão da sua confusão com votos inválidos, pudesse constituir uma grande parte dos votos considerados validamente expressos”.
E alerta que “não é possível concluir que a decisão de declaração de nulidade foi neutra do ponto de vista da distribuição de mandatos, uma vez que está longe de ser certo ou necessário que o padrão de distribuição dos mesmos fosse substancialmente idêntico ao que se veio a verificar no apuramento geral”.
Mais de 80% dos votos dos emigrantes do círculo da Europa nas legislativas de 30 de janeiro foram considerados nulos, decisão tomada no apuramento geral dos resultados, na sequência de protestos apresentados pelo PSD após a maioria das mesas ter validado votos que não vinham acompanhados de cópia da identificação do eleitor, como exige a lei.
De acordo com o TC, estão em causa 151 mesas de voto do círculo eleitoral da Europa.
Como esses votos foram misturados com os votos válidos, a mesa da assembleia de apuramento geral acabou por anular os resultados em várias mesas, incluindo votos válidos e inválidos, por ser impossível distingui-los uma vez na urna.
Organização
Ainda, a Associação Também Somos Portugueses (TSP) congratulou-se pela repetição das legislativas na Europa, mas alertou para uma “impossibilidade organizativa” da votação no prazo previsto.
O acórdão do Tribunal Constitucional (TC) refere que, “de acordo com o artigo 119.º da Lei Eleitoral, as eleições no Círculo da Europa devem ser repetidas no segundo domingo posterior à decisão de anulação. Contudo, existe uma impossibilidade organizativa de se efetuar a votação nesse prazo pelo método prescrito pelo artigo 79.º, que na esmagadora maioria dos casos será a via postal”, indica a TSP.
Em comunicado, a associação apela ao esclarecimento desta “contradição”, a qual “revela mais uma vez a necessidade urgente de se reverem as leis eleitorais”.
A esse propósito, a TSP regista, “com agrado, o consenso existente sobre a necessidade da revisão das leis”.
Além da questão dos votos nulos (cerca de 158 mil), a associação alerta para “os cerca de 200 mil (segundo o inquérito que a TSP realizou) que queriam ter votado e não receberam o boletim de voto a que tinham direito”.
“Este escândalo dos votos perdidos tem ainda mais impacto do que o dos votos anulados, e tem também de ser resolvido”, lê-se no comunicado a TSP, uma associação cívica internacional que defende os direitos dos milhões de portugueses no estrangeiro e está implantada em Portugal, França, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Reino Unido, Alemanha, Brasil e Estados Unidos.
Sobre a alterações das leis eleitorais, a TSP afirma que estas devem assegurar que “o direito ao voto não pode ser negado a nenhum cidadão português” e que “o método de voto deve ser igual em todas as eleições”.
“Os eleitores devem poder escolher livremente qual o método de voto que desejam utilizar, presencial, postal ou digital (voto eletrônico à distância”, e “a autenticação do voto postal deve ser feita por um método que não implique o envio de uma fotocópia do documento de identificação”.