TAP: Ex-secretário diz ser anormal Estado pagar a Neeleman para se livrar do problema

Humberto Pedrosa e David Neeleman, em conferência de imprensa, 2015. Foto JOSE SENA GOULAO/LUSA

Da Redação com Lusa

Na comissão de inquérito à TAP Portugal, o ex-secretário de Estado Sérgio Monteiro considerou hoje “anormal” que o Estado tenha pagado 55 milhões de euros a David Neeleman em 2020 para ele se livrar dos problemas da TAP, que ficaram para os contribuintes.

“O anormal foi pagar a um acionista privado para ele se livrar do problema e que tenha ficado o problema para nós”, afirmou, , o antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, do governo PSD/CDS-PP, que esteve envolvido na privatização da companhia aérea de bandeira em 2015.

O antigo governante referia-se ao auxílio à TAP em 2020, na sequência das dificuldades causadas pela pandemia de covid-19, em que a companhia voltou ao controle do Estado, pagando ao então acionista privado David Neeleman 55 milhões de euros para sair da transportadora aérea.

Sérgio Monteiro sublinhou que aquela decisão do governo PS “não se esgota nos 3.200 milhões de euros do auxílio”, porque foi preciso ir pedir dinheiro, sendo, por isso, uma “conta simples de fazer”: “custa-nos mais de 200.000 euros por dia só em juros do dinheiro que injetamos”.

Para o antigo secretário de Estado, havia outra alternativa, que passava por empréstimos com garantias de Estado, “mantendo o acionista da indústria no capital e, sobretudo, não o ilibando das suas responsabilidades, como todos os outros Estados-membros”.

Sérgio Monteiro referiu que os contratos de 2015, quando a companhia foi vendida à Altantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa, “permitiam uma intervenção desse gênero, assim fosse politicamente entendida com relevante, e mediante adequadas contragarantias a essa garantia pública”, como a tomada de uma parte do capital pelo Estado.

“Ainda que se optasse por outra intervenção mais musculada, […] não teria havido pagamento de qualquer valor ao acionista privado pela sua saída”, acrescentou Sérgio Monteiro, referindo-se ao direito potestativo que o Estado teria, com os contratos de 2015, de aquisição da TAP, pagando 10 milhões de euros e retomando a totalidade do capital da companhia, ficando com o total da capitalização de mais de 220 milhões de euros, feita por David Neeleman através dos chamados fundos Airbus, bem como todos os ativos e passivos da companhia.

O antigo governante rejeitou ainda a ideia de que a privatização foi feita “à pressa, numa noite de novembro e já com o governo demitido”, dando como exemplo o grupo de trabalho que iniciou funções em outubro de 2014 e que tinha como objetivo envolver os sindicatos na elaboração do caderno de encargos da privatização, que viria a ser aprovado pelo Conselho de Ministros em janeiro de 2015.

Quanto à nova privatização que o Governo PS pretende levar a cabo, Sérgio Monteiro disse esperar que seja bem-sucedida e que o valor a encaixar pelo Estado sirva para abater a dívida contraída para o auxílio em 2020.

“Hoje, a TAP está adequadamente capitalizada, […] mas privatiza-se, acredito eu, por se reconhecer que é o melhor caminho para o seu desenvolvimento futuro. Nós também acreditávamos nisso em 2015”, concluiu Sérgio Monteiro, na sua intervenção inicial.

Privatização

Também neste dia 01, a coordenadora do BE alertou para “o erro que seria privatizar a TAP”, após uma reunião com um movimento de personalidades que se opõe à venda da companhia aérea, comprometendo-se a chamá-lo à comissão de inquérito.

Em declarações aos jornalistas no parlamento, Mariana Mortágua referiu que foi abordado na reunião com representantes daquele movimento – que subscreveu uma petição contra a privatização da TAP e agrega personalidades como o cineasta António-Pedro Vasconcelos, a embaixadora Ana Gomes ou o ex-coordenador bloquista Francisco Louçã – “o crime que significava essa privatização”, em particular devido a “três fatores importantes”.

“Em primeiro lugar, a TAP nunca ficou com um cêntimo dos contribuintes até à pandemia. A ideia de que a TAP é um sorvedouro de dinheiro é falsa: a TAP não teve qualquer investimento do Estado em todos os anos que foi pública até ao momento da pandemia”, sublinhou Mariana Mortágua.

Em segundo lugar, disse Mariana Mortágua, o movimento advertiu que privatizar a TAP atualmente seria “um erro”, uma vez que a companhia aérea “está a dar lucros, está a recuperar e está a recuperar porque teve um apoio do Estado importante”.

“Esses resultados não devem reverter para um privado que pode pôr em causa o ‘hub’”, sublinhou.

Por último, a coordenadora do BE destacou a “importância estratégica da TAP”, que não se prende “apenas com o aeroporto e o ‘hub’”, mas também com o facto de a companhia aérea pagar Segurança Social e impostos em Portugal, e fazer compras e servir fornecedores no país.

“Não tenham nenhuma dúvida que isso não acontece com a Ryanair, com a easyJet: os números estão cá para o demonstrar”, disse.

A coordenadora do BE salientou assim que “essa é a importância estratégica da TAP, que é proporcional ao erro que seria privatizá-la, ainda para mais nestas circunstâncias em que o seu valor pode estar fragilizado”.

“Foi esse o compromisso que assumimos: de sindicância, de transparência, de vigilância sobre o Governo e também dar voz às preocupações deste movimento”, disse.

Em declarações aos jornalistas após a reunião, o cineasta António-Pedro Vasconcelos, em representação do movimento, sublinhou que é necessário “travar o processo” de privatização da TAP.

“Nós consideramos que a TAP é uma empresa absolutamente fundamental para Portugal e não só por razões sentimentais nem patrióticas: é por razões econômicas, de soberania, nós já perdemos todas as nossas empresas estratégicas. (…) Resta-nos a TAP”, disse.

O cineasta disse que o movimento já pediu reuniões com o Presidente da República, o primeiro-ministro e partidos com assento parlamentar, e manifestou esperança que de vir a ser chamado para ser ouvido na comissão de inquérito à TAP.

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