Supremo Tribunal Federal, ontem e hoje

Um dos mais importantes pilares da atual Constituição foi a conformação de um notável equilíbrio de poderes, com mecanismos para evitar invasão de competências.

O Supremo Tribunal foi guindado expressamente a “guardião da Constituição”, com integrantes escolhidos por um homem só, o Presidente da República é eleito pelo povo, assim como os integrantes do Senado e da Câmara.

Estão os dispositivos constitucionais assim redigidos: “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: ….”;

“Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”;

“Art.77. Aeleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente”.

“Art.45. ACâmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional,em cada Estado,em cada Territórioe no Distrito Federal.”;

“Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.”

O Congresso Nacional tem poderes para anular quaisquer decisões do Executivo ou do Judiciário que invada sua função legislativa, podendo socorrer-se das Forças Armadas para mantê-la, em caso de conflito, artigos cuja dicção reproduzo: “Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: …. XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; …”;

“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Há, pois, todo um arsenal jurídico para assegurar a democracia no país. Ora, a Suprema Corte brasileira, constituída no passado e no presente por ínclitos juristas, parece hoje exercer um protagonismo político, que entendo contrariar a Lei Suprema.

Assim é que, a partir dos 9 anos da gestão Lula-Dilma, o Pretório Excelso passou a gerar normas, tais como nos casos de empossar candidato derrotado –e não eleito direta ou indiretamente- quando de cassação de governantes estaduais; da fidelidade partidária, que os constituintes colocaram como faculdade dos partidos; do aviso prévio; da relação entre homossexuais; do aborto dos anencéfalos, para citar apenas alguns.

Transcrevo os dispositivos não respeitados: “Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.”;

“Art. 17 – … § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. ….;

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ……. XXI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; …..”;

“Art. 226 – … § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. ….”;

“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”.

Tem-se, pois, duas posturas julgadoras drasticamente opostas: a dos magistrados de antanho, que nunca legislavam, e a dos atuais, ue legislam.

Sustentam alguns constitucionalistas que vivemos a era do neoconstitucionalismo, o qual comportaria tal visão mais abrangente de judicialização da política.

Como velho advogado e professor de direito constitucional, tenho receio dos avanços de um poder técnico sobre um poder político, principalmente quando a própria Constituição o impede. Com efeito, declarada a inconstitucionalidade por omissão, pode o STF apenas comunicar o Congresso de sua inconstitucional emissão, sem impor prazo e sem sanção, sobre não poder produzir a norma. Assim disposto está o preceito constitucional: “§ 2º do art. 103 da CF – Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias”.

Nem se argumente que ação de descumprimento de preceito fundamental –de cuja redação do anteprojeto participei, ao lado de Celso Bastos, Gilmar Mendes, Arnoldo Wald e Oscar Corrêa–, autorizaria tal invasão de competência, visto que essa ação objetiva apenas suprir hipóteses não cobertas pelas demais ações de controle concentrado (Lei 9882/99).

Meu receio é que, por força dos instrumentos constitucionais de preservação dos poderes, numa eventual decisão normativa do STF de caráter político nacional possa haver conflito que justifique sua anulação pelo Congresso (art. 49, inc. XI), o que poderia provocar indiscutível fragilização do regime democrático no país.

É sobre tais preocupações que gostaria que magistrados e parlamentares se debruçassem para refletir.

 

Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.

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