Mundo Lusíada com Lusa
Em Coimbra, o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, Gilmar Mendes, declarou que está em discussão a criação de uma guarda que possa proteger os tribunais, em situações semelhantes àquela que aconteceu em Brasília, no dia 08 de janeiro.
“Nos tribunais, estamos a discutir a existência de algum tipo de guarda que nos possa proteger diante de uma situação como aquele que se colocou [em Brasília, em que apoiantes radicais do ex-presidente Bolsonaro atacaram a sede dos três poderes]. Mas temos de refletir com muita cautela em torno da desconfiança que se instaurou em relação a essas forças [de segurança]”, afirmou Gilmar Mendes, que falava à agência Lusa no final de uma visita à Universidade de Coimbra, onde foi orador numa conferência.
Segundo o juiz conselheiro do STF, há várias discussões em curso no Brasil face ao ocorrido, nomeadamente se a Praça dos Três Poderes e a Esplanada dos Ministérios “deverão continuar sob a proteção e jurisdição do distrito federal [de Brasília]”.
Gilmar Mendes notou que a secretaria de segurança do governo federal de Brasília, que era liderada pelo antigo ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres (detido sob suspeitas de responsabilidade naqueles ataques), é “uma unidade federada singular”, visto que “todas as autoridades federais habitam o distrito federal”.
“O secretário [Anderson Torres] foi escolhido pelo governador e seria alguém que, certamente, o Governo de Lula não indicaria”, notou, considerando que uma das opções poderá ser um reforço da Força Nacional, um braço da polícia que atua sob a direção do Ministério da Justiça.
Questionado pela agência Lusa sobre os riscos de radicalização dentro das forças de segurança e militares brasileiras, Gilmar Mendes admitiu que “é um tema que precisa de ser olhado”.
“Certamente, o Governo anterior dedicou-se muito a essa divisão e a tentar fortalecer essas forças. Acho que se tem de prestar muita atenção, embora também se tenha de reconhecer que mesmo o esvaziamento dos palácios, depois de invadidos, só aconteceu graças à ação da polícia militar”, frisou.
Apesar de haver “setores que agiram corretamente e precisam de ser devidamente reconhecidos”, o ministro do STF realça que é importante “separar o joio do trigo” nas forças de segurança e militares brasileiras, apontando para a possibilidade de uma maior responsabilidade da cúpula do que das bases dessas forças.
O juiz do STF, indicado em 2002 pelo na altura presidente Fernando Henrique Cardoso, considera que a democracia brasileira mostrou-se “resiliente” perante os ataques, com o próprio Supremo a desempenhar “um papel importante”, esperando que o normal que agora se instala no país não seja um “novo normal”, mas um “verdadeiro normal”.
Gilmar Mendes também defendeu a necessidade de mecanismos para atacar as ‘fake news’, considerando-as a maior ameaça à democracia brasileira. “Temos que desenvolver mecanismos que vão para além da legislação que temos hoje para as redes sociais”, disse.
Para Gilmar Mendes, esses mecanismos não devem apenas versar sobre questões como a pedofilia ou o discurso de ódio, mas também sobre questões que atacam a democracia brasileira, considerando que informações falsas e mentiras que circulam no Brasil foram o “combustível” para atuações como aquelas que aconteceram em Brasília. “Temos uma massa de pessoas muito suscetível a esse apelo populista, de promessas que não se vão realizar. O grande problema visível, hoje, são as redes sociais. São o grande instrumento para espalhar ignorância, ‘fake news’ e ameaças inexistentes”, afirmou.
Notando que há partidos de direita que apoiam o atual Governo de Lula – “a geringonça brasileira” – e que governadores tidos como próximos de Bolsonaro tiveram “uma conduta exemplar”, Gilmar Mendes acredita que se está perante “um momento decisivo” para esse espetro da política brasileira, realçando também que “um segmento grande” dos eleitores que votaram em Bolsonaro não se reveem nos ataques em Brasília.
A conferência da Universidade de Coimbra (UC) ocorreu nesta terça-feira, 17, em mais uma sessão das Conversas da Casa da Lusofonia, subordinada ao tema “O Supremo Tribunal Federal e a Defesa da Constituição” do Brasil, na Casa da Lusofonia.