SIC 28 anos: a união Brasil-Portugal na comunicação

Por Fernando Morgado
O ano era 1987. Enquanto a RTP, empresa de comunicação controlada pelo governo lusitano, comemorava seus 30 anos de transmissões regulares, ganhava corpo o movimento que desembocaria no surgimento da TV privada em Portugal. Este foi um dos últimos países da Europa a permitir a operação de canais puramente controlados por empresários. À frente desse movimento, estava o ex-primeiro ministro e fundador do jornal Expresso, Francisco Pinto Balsemão.
Balsemão sabia que, além de capital, precisaria de muito conhecimento para montar uma televisão comercial. E esse conhecimento não existia em Portugal, onde o mercado era monopolizado pela RTP que, por ser pública, tem objetivos completamente distintos daqueles que encaram a comunicação como negócio. Por isso, nem todos os que trabalhavam na RTP, especialmente em cargos de direção, serviriam para o novo projeto.
Foi então que Balsemão veio ao Brasil em busca de um sócio que pudesse ajudar. Ele teve reuniões com os donos das maiores redes. Um desses encontros quase lhe tirou o ânimo: foi com Adolpho Bloch, fundador da TV Manchete. “Você quer ter um ataque de coração, quer passar noites inclementes, quer sofrer? Então meta-se num projeto de televisão!”, disse Bloch. Seu pessimismo não era de todo injustificado: em 1987, a Manchete completava quatro anos no ar já soterrada em dívidas. Fazer frente ao poderio da Globo era algo quase impossível, apesar da Manchete ter conseguido emplacar alguns grandes sucessos na época, como a novela Dona Beija e as transmissões dos desfiles das escolas de samba cariocas.
A reunião com Roberto Marinho transcorreu em um clima bem mais agradável, ainda que o dono da Globo também não sentisse total confiança de que a empreitada portuguesa poderia dar certo. Naquele momento, Marinho perdia milhões de dólares com a Telemontecarlo, rede comprada em 1985 que não competia nem com o Estado, controlador da Rai, nem com Silvio Berlusconi, dono da Mediaset. Após um intenso trabalho de convencimento, Balsemão conseguiu atrair a Globo para o conjunto de sócio-fundadores da empresa que acabou batizada de Sociedade Independente de Comunicação, SIC.
Através da SIC, os brasileiros deixaram uma importante contribuição para a criação da TV privada em Portugal, notadamente nas áreas técnicas e de programação. Os profissionais da Globo foram os responsáveis pelo desenho final da grade de estreia da SIC que, se não foi capaz de vencer a RTP logo nos primeiros anos, pelo menos criou um enorme impacto no telespectador lusitano, que estava acostumado a outro ritmo de televisão. Em tempo: a SIC conseguiu se firmar na liderança geral de audiência apenas em 1995. Não por acaso, foi justamente nesse ano que as telenovelas brasileiras finalmente saíram da televisão pública para o canal de Paço de Arcos.
Um dos elementos que mais chamou atenção nos tempos iniciais da SIC foi sua identidade visual, assinada pelo designer alemão Hans Donner. Radicado no Brasil desde os anos 1970, Hans é o responsável pela identidade visual da Globo, tendo revolucionado o broadcast design no mundo. Aliás, o clipe que abria a programação da SIC era, na verdade, um compilado de vinhetas globais produzidas entre 1981 e 1992.
E foi justamente em 1992, mais precisamente no dia 6 de outubro, que a SIC entrou oficialmente no ar. O fato foi notícia em todo o Brasil, graças, claro, ao destaque dado pelos veículos de comunicação controlados por Roberto Marinho. O jornal O Globo, por exemplo, publicou na época a seguinte manchete: “Público português ganha nova opção com primeira TV privada”.
A Globo foi sócia da SIC até 2002. Neste ano, o conglomerado brasileiro enfrentava uma gravíssima crise financeira, provocada pelas dívidas contraídas para o desenvolvimento da TV a cabo no Brasil. Para se capitalizar, a família Marinho se viu obrigada a vender diversos ativos, incluindo aviões, banco de investimentos, canais de TV no interior, fazendas, hotel, imóveis, operadora de telefonia celular, seguradora e a participação de 15% que detinha no capital da SIC. Apesar disso, a Globo segue sendo uma das principais parceiras da empresa, que, mesmo diante das profundas mudanças sofridas pelo setor de mídia, permanece como uma importante referência tanto no mercado português quanto internacional.
FERNANDO MORGADO
Consultor e palestrante. Professor das Faculdades Integradas Hélio Alonso. Coordenador-adjunto do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS. Membro da Academy of Television Arts & Sciences, entidade realizadora dos prêmios Emmy. Possui livros lançados no Brasil e no exterior, incluindo o best-seller Silvio Santos – A Trajetória do Mito (5ª edição em 2017). Mestre em Gestão da Economia Criativa e especialista em Gestão Empresarial e Marketing pela ESPM. http://fernandomorgado.com

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