Segundo estudo, bilionários ficam imunes à crise econômica na pandemia

Da Redação
Com EBC

Os 73 bilionários da América Latina e do Caribe aumentaram suas fortunas em 17%, o que equivale a US$ 48,2 bilhões, apenas durante a pandemia – de março a junho deste ano. Isso equivale a um terço do total de recursos previstos em pacotes de estímulos econômicos adotados por todos os países da região.

Só no Brasil, 42 bilionários aumentaram suas fortunas em US$ 34 bilhões no mesmo período, passando de US$ 123,1 bilhões para US$ 157,1.

Os dados são do relatório Quem Paga a Conta? – Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da Covid na América Latina e Caribe, divulgado neste dia 27 pela Oxfam, que revela como esses bilionários ficaram imunes à crise econômica provocada pela pandemia em uma das regiões mais desiguais do mundo. A entidade defende que é premente enfrentar os privilégios e as elites econômicas para o desenvolvimento econômico inclusivo.

“A covid-19 não é igual para todos. Enquanto a maioria da população se arrisca a ser contaminada para não perder emprego ou para comprar o alimento da sua família no dia seguinte, os bilionários não têm com o que se preocupar. Eles estão em outro mundo, o dos privilégios e das fortunas que seguem crescendo em meio à, talvez, maior crise econômica, social e de saúde do planeta no último século”, disse a diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia.

Conforme mostra a organização, desde o início das medidas de distanciamento social para combater a disseminação da covid-19, oito novos bilionários surgiram na região, ou seja, um a cada duas semanas. Enquanto isso, a estimativa é que 40 milhões de pessoas devem perder seus empregos e 52 milhões vão entrar na faixa de pobreza na América Latina e Caribe em 2020.

Para a Oxfam, os dados apresentados no relatório são assustadores. “Ver um pequeno grupo de milionários lucrar como nunca numa das regiões mais desiguais do mundo é um tapa na cara da sociedade, que está lutando com todas suas forças para manter a cabeça fora d’água”, disse. “Está mais do que na hora de a elite contribuir, renunciando a privilégios e pagando mais e melhores impostos”.

Segundo a organização, no Brasil, a discussão da reforma tributária não tem levado em conta a necessidade de reestruturar o sistema para que haja a redução das desigualdades e para torná-lo mais progressivo. Os debates, em andamento no Congresso Nacional, têm tratado da simplificação da tributação sobre o consumo, o que, segundo a Oxfam, não resolve as distorções do sistema no qual quem ganha menos paga proporcionalmente mais imposto do que quem ganha muito. “Ninguém parece ter a intenção de tocar nos privilégios dos mais ricos, que nunca pagaram uma parte justa de impostos. É como se a maioria da população não tivesse o direito a uma vida digna”.

Reforma tributária
Ao entregar, na semana passada, a proposta de reforma tributária ao Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a primeira parte do projeto do governo tratará apenas da unificação de impostos federais e estaduais num futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual. O texto do governo será unificado às propostas da Câmara e do Senado que tramitam na comissão mista desde o início do ano.

O IVA dual prevê a unificação de diversos tributos em dois impostos: um federal e outro regional. Em tese, tributos como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) poderiam ser unificados, mas o ministro explicou que, no nível federal, o IVA fundirá o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição sobre o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

“Temos que começar pelo que nos une. Vamos começar com o IVA dual”, disse Guedes.

Tributação
A perda de receita tributária para 2020 pode chegar a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe, o que representa US$ 113 milhões a menos e equivale a 59% do investimento público em saúde em toda a região, de acordo com estimativa da Oxfam. Segundo a entidade, o colapso da receita tributária traz a necessidade de medidas urgentes, a fim de evitar o desmantelamento dos serviços públicos na região.

O relatório apresenta propostas fiscais emergenciais no sentido de enfrentar privilégios, que incluem imposto extraordinário às grandes fortunas, imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações, taxação das grandes rendas geradas pelas atividades digitais, pacotes de resgates públicos a grandes empresas, mas sob condições, e redução de impostos para quem está em situação de pobreza, incluindo eliminar os tributos sobre o consumo de produtos de uso sanitário e cesta básica familiar.

A Oxfam relata que, nas últimas décadas, a cobrança de impostos sobre grandes fortunas vem regredindo. Com o desenho atual do imposto sobre patrimônio, existente em apenas três países (Argentina, Colômbia e Uruguai), a estimativa de arrecadação dos bilionários da região chegaria a um total máximo de US$ 281 milhões. No entanto, se fosse aplicado em todos os países latino-americanos um imposto extraordinário sobre as grandes fortunas com caráter progressivo – como propõe a entidade –, seria possível arrecadar até US$ 14,26 bilhões, ou seja, cinquenta vezes mais.

O imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações é outra alternativa, considerando que nem todas as empresas sofrem os efeitos da pandemia. O documento mostra que setores como o farmacêutico, grandes cadeias de distribuição e logística, telecomunicações ou a economia digitalizada vivem períodos de alto rendimento. Com os resultados publicados para o primeiro trimestre de 2020, a margem de lucro da Visa cresceu mais de 50% e a de farmacêuticas, como Pfizer, 31%, informa a ONG.

Por outro lado, houve a paralisação total do setor turístico durante o isolamento e da grande maioria de micro, pequenas e medias empresas durante os períodos mais restritos do isolamento social. “A crise não pode se converter em uma oportunidade para um grupo de empresas obter ganhos extraordinários. Essa situação absolutamente não usual justifica a criação de um imposto sobre resultados extraordinários de grandes corporações enquanto dure a pandemia”, conclui o relatório.

A taxação ocorreria somente sobre os resultados vinculados inteiramente às consequências da atual crise. Seriam receitas tributárias adicionais que poderiam se destinar a mitigar a queda dos recursos públicos e a apoiar a geração de emprego e atividade das empresas mais vulneráveis ou de setores da economia informal. A Oxfam calculou que poderiam ser gerados US$ 80 bilhões em receitas fiscais adicionais apenas sobre os resultados extraordinários de 25 grandes corporações.

Mesmo após a crise devido à pandemia, há propostas para que os países incorporem em suas reformas tributárias pendentes, como arrecadar mais para blindar as políticas sociais, elevar ou criar taxas sobre rendimentos de capital e revisar impostos sobre propriedades e sobre os incentivos tributários. Para a Oxfam, nas reformas não pode haver margem para a evasão fiscal, o ocultamento de ativos e bens em paraísos fiscais ou o desperdício em privilégios fiscais.

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