Depois da Secretaria da Receita Federal do Brasil retornar às páginas dos jornais pela averiguação de quebra de sigilo fiscal de políticos influentes no cenário nacional, sob a acusação de aparelhamento político do órgão, o Secretário Otacílio Cartaxo apressou-se em se declarar "extremamente constrangido" e "traumatizado" com os fatos.
Um projeto de reestruturação da rede de proteção das informações sigilosas, implica no redesenho de todo o sistema de acesso. Mediante a imposição de novos controles, através da criação de novas funcionalidades de natureza restritiva.
Rememorando os fatos, setores da política nacional entenderam que a Secretaria da Receita Federal do Brasil tenta esconder motivação política da infração, atuando segundo os interesses do grupo político governante. Mas o motivo que moveu o secretário da RFB a vir a público tentar arrefecer o assédio da mídia ainda não foi aventado. Tanto interesse em como se conduz o órgão poderia revelar que, antes do Estado e do programa de Governo estabelecido, a Receita Federal do Brasil tem servido aos interesses de classe dos Auditores Fiscais, à qual pertencem os integrantes da cúpula do órgão.
Não há aparelhamento político, mas apropriação de competências do Estado. Governo após Governo, os impressionantes números de arrecadação espontânea do povo brasileiro concederam considerável autonomia na condução do órgão, em cuja "caixa preta" prefere-se não mexer.
Ao que indica o discurso, o secretário também deve estar constrangido com a enxurrada de atos infralegais expedidos em sua gestão, que seguem em sentido oposto às suas declarações. O que se vê é o desprezo à lei e o crescente descontrole sobre as atividades exercidas.
Exemplo disso, a Portaria Cotec nº 13/2010 possibilita que qualquer servidor atue como cadastrador nos sistemas da RFB (atividade antes restrita aos cargos da Carreira Auditoria da Receita Federal do Brasil). Assim, enquanto se anuncia a "imposição de novos controles, através da criação de novas funcionalidades de natureza restritiva", admite-se a utilização de qualquer servidor para controlar a concessão de senhas de acesso aos sistemas informatizados.
Onde se enquadra no quesito controle a instituição do "carteiraço" para Auditor Fiscal (Portaria RFB 451/2009), onde constará, à revelia da lei, prerrogativa de "livre acesso a estabelecimentos públicos e privados" independentemente da atividade exercida, possibilitando abusos já esquecidos pelos anos de democracia vividos?
Como se explicará Projeto de Lei, já encaminhado para a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, onde encontram-se previstas prerrogativas que têm unicamente a intenção de conceder poderes abusivos ao Auditor Fiscal frente ao particular, infringindo princípios constitucionais consubstanciados no artigo 5º da Constituição Federal? Que dirá da previsão de comissão de inquérito composta exclusivamente por auditores quando o investigado for um Auditor Fiscal?
Delegação genérica das competências da Administração a Auditores no âmbito das Delegacias, livre convencimento em atividade estritamente vinculada à lei, não aplicação igualitária da lei penal quando se tratar de crime cometido por Auditor Fiscal, violabilidade do domicílio frente ao livre convencimento do Auditor Fiscal, são fatos e propostas difíceis de explicar, principalmente em momento no qual está evidente que recordes de arrecadação espontânea não escondem a necessidade de controle sobre os atos dos servidores.
Há que se lembrar que, no caso em voga, não foi apurada qualquer falha de sistema (principal instrumento a ser aprimorado na visão do secretário), mas desvio de conduta. Desvios de conduta não são exclusivos de cargo A ou B, mas derivam da personalidade do indivíduo, da falha de caráter. Os servidores da RFB exercem atividades imprescindíveis ao Estado brasileiro, avançando sobre a privacidade dos indivíduos. Se queremos evitar a ocorrência de novos desvios, controles são necessários, não se admitindo exceções.
Se quisermos o aperfeiçoamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil, não podemos tratá-la na superficialidade. Chegou a hora de solucionar o seu maior problema: o corporativismo nocivo à instituição e ao País.