Saúde abre inspeção sobre caso das gêmeas brasileiras tratadas em Lisboa

Foto ESTELA SILVA/LUSA

Mundo Lusíada com Lusa

A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) anunciou nesta segunda-feira que abriu um processo de inspeção ao caso das gêmeas que vivem no Brasil e receberam um tratamento de quatro milhões de euros no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

“Informamos que a IGAS abriu um processo de inspeção sobre o processo de prestação de cuidados de saúde às duas crianças para verificar se foram cumpridas todas as normas aplicáveis a este caso concreto”, adianta a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde numa resposta escrita à agência Lusa.

Ainda hoje, o Inspetor-Geral, António Carapeto, reúne com o Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, que integra os hospitais Santa Maria e Pulido Valente, “para que este órgão o informe sobre as medidas internas já adotadas e comunicar a ação inspetiva da IGAS”.

Em causa está uma reportagem da TVI, transmitida na sexta-feira, segundo a qual duas gêmeas luso-brasileiras vieram a Portugal em 2019 receber o medicamento Zolgensma, – um dos mais caros do mundo – para a atrofia muscular espinhal, que totalizou no conjunto quatro milhões de euros.

Segundo a TVI, há suspeitas de que isso tenha acontecido por influência do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que já negou qualquer interferência no caso.

“Quando as gêmeas luso-brasileiras chegaram ao Hospital de Santa Maria para receber o tratamento de quatro milhões de euros para a atrofia muscular espinhal, os neuropediatras opuseram-se e dirigiram, em novembro de 2019, uma carta ao então presidente do conselho de administração, Daniel Ferro, a dar contas das suas razões, da falta de dinheiro e pelo facto de as crianças já estarem a receber tratamento no Brasil”, refere a TVI. Adianta que o documento desapareceu nestes quatro anos, mas, após a reportagem, reapareceu.

Numa nota enviada no domingo às redações, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte confirma a recepção de uma carta dos neuropediatras do CHULN e que “o caso seguirá a sua tramitação interna”.

Hoje, o centro hospitalar esclareceu à Lusa que a carta que recebeu é uma nova carta, mas com o mesmo conteúdo da que foi enviada em 2020 ao Conselho de Administração e que desapareceu.

Segundo a mesma fonte, o caso será encaminhado para o Gabinete Jurídico do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte.

O Presidente da República negou, no domingo, que tivesse intercedido junto do Hospital de Santa Maria ou de qualquer outra entidade, para que as duas pudessem beneficiar de tratamentos no Serviço Nacional de Saúde.

“Eu ontem [sábado] disse que não tinha feito isso. Não fiz. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra [da Saúde], não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei à presidente do hospital, nem ao conselho de administração nem aos médicos”, afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações aos jornalistas.

Segundo o chefe de Estado, o que está em causa é saber “se interferiu, ou não interferiu, isto é, se pediu um empenho, pediu uma cunha para que sucedesse uma determinada solução favorável a uma pretensão de duas crianças gémeas doentes”.

“Vendo a reportagem, ninguém aparece a dizer que eu falei com essa pessoa. Ninguém. Diz-se, consta, parece que sim, parece que, parece que havia família [do Presidente] que estava empenhada, por amizade, nisso. Mas ninguém em relação ao Presidente. E só há um Presidente. A família do Presidente não foi eleita, não é Presidente”, salientou Marcelo Rebelo de Sousa.

Segundo disse, o Presidente da República não pode estar sujeito a uma “suspeição de que interfere em decisões da cadeia administrativa, ordenando, recomendando, pedindo, metendo uma cunha para ninguém, muito menos aquilo que possa ser mais próximo de amigos de conhecidos”.

Esclarecimentos

Nesta segunda-feira, o presidente da Iniciativa Liberal desafiou o primeiro-ministro a esclarecer se “teve alguma intervenção” no caso das gêmeas que vivem no Brasil e receberam o tratamento no Hospital de Santa Maria.

Em declarações aos jornalistas no Palácio de Belém, no final de uma audiência com o Presidente da República, Rui Rocha considerou que “é obrigação” de António Costa esclarecer o que se passou e se o Governo “teve alguma intervenção” neste caso.

Ao afirmar que este “tratamento foi decidido não se sabe por quem, porque os médicos envolvidos não se pronunciaram a favor”, o líder da IL quer que o primeiro-ministro diga também se “sabe o que se passou” e se “fez algum tipo de diligência adicional para saber o que se passou”.

“Há um conjunto de perguntas que ficam ainda sem resposta por parte de quem tinha obrigação de responder. O senhor Presidente da República já partilhou a sua visão desses factos, mas o primeiro-ministro ainda não veio esclarecer os portugueses, e creio que num momento em que estamos com tantas dificuldades de acesso dos portugueses ao sistema nacional de saúde, é mesmo uma obrigação do primeiro-ministro vir esclarecer o que se passou nesse caso”, defendeu.

Rui Rocha fez este desafio depois de questionado sobre a resposta do primeiro-ministro ao médico António Sarmento, publicada hoje no jornal Público.

Sobre esta matéria, considerou que as palavras de António Costa não passam de “um conjunto de intenções, de números que vão sendo atirados, mas resultados não existem”.

“É atirar números e intenções e propaganda para cima dos problemas, sem os resolver”, criticou.

O presidente da IL falava no Palácio de Belém, em Lisboa, no fim de uma reunião entre uma delegação do partido e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que começou hoje uma ronda de audiências aos partidos com assento parlamentar centrada no Orçamento do Estado para 2024.

Brasil

Segundo já informou o governo brasileiro, no início do ano foi aprovada a incorporação no Sistema Único de Saúde o medicamento para o tratamento de crianças com Atrofia Muscular Espinhal (AME). O medicamento incorporado Zolgensma é indicado para o tratamento de crianças com AME do tipo I, com até seis meses de idade, que estejam fora de ventilação invasiva acima de 16 horas por dia.

Antes da incorporação no SUS e na cobertura dos planos de saúde, famílias com crianças com AME tinham que recorrer à Justiça para garantir o acesso ao tratamento no Brasil.

AME é uma doença rara, degenerativa, passada de pais para filhos e que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover. Varia do tipo 0 (antes do nascimento) ao 4 (segunda ou terceira década de vida), dependendo do grau de comprometimento dos músculos e da idade em que surgem os primeiros sintomas.

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