São Paulo é Uma Cidade Infernal

Os tuaregues, que já foram chamados de ‘senhores do deserto’, nascem e vivem até o fim de seus dias em sua etnia nômade zanzando pelas escaldantes areias do Saara, de ponta a ponta, com certa concentração ao noroeste deste. Desde suas origens, que se perdem no tempo, registrada antes mesmo da invasão árabe, estes berberes levam uma vida envolta por uma baixa umidade atmosférica que rodeia os 12%. Dias quentes e noites frias. Sempre assim.

Este mês de agosto de 2010 a cidade de São Paulo, posicionada geograficamente de forma bem diferente daquela onde habita a referida gente africana, batia pelo segundo ano consecutivo em marcas de qualidade do ar absurdamente deterioradas. Uma situação muito preocupante e espantosa. Em 2009 atingimos os 10% e atualmente já estamos convivendo com os 12%. Só para se ter uma idéia, segundo a OMS – Organização Mundial de Saúde, índices de umidade relativa do ar abaixo dos 30% caracterizam estado de atenção; de 20% a 12%, estado de alerta; e abaixo de 12%, estado de alerta máximo.
Os efeitos imediatos dessa situação atingem as vias respiratórias e também os olhos. Sem contar com a tradicional poluição atmosférica que cria uma espécie de cinturão aéreo, uma camada cinza que já faz parte do cenário urbano e fica muito evidenciado para aqueles que olham a metrópole de algum de seus pontos mais altos, como o nosso caso, à partir da zona norte. É feio e nitidamente sufocante.
Claro que os institutos meteorológicos vêm explicando a existência do fenômeno de uma forte massa de ar seco que colide com a frente fria e acaba por inibir a formação de nuvens e a conseqüente queda de chuva. Mas, é absolutamente hipocrisia nos fazer de vitimas e culpar só a natureza por essa situação. Nós somos grandes investidores para a realização desta caldeira.
Em pleno século XXI há muitas pessoas que praticam a queimada para ‘limpeza’ de matas. O inverno, naturalmente, já seca o ambiente e coíbe a ampliação da vegetação. Assim, há pessoas que aproveitam do momento para fazer uma limpeza de terreno através do fogo. Arde lixo, terrenos baldios, matagal. Uma prática bruta, primitiva e inconseqüente. Porem, também temos entre nossos tecnocratas a responsabilidade por isso. Não é privilégio das camadas populares, mais desinformadas, a piora desse estado. Então, o governo pede aos proprietários de automóveis não rodarem com seus veículos, por exemplo. Evitar aglomeração e, obviamente, não queimarem coisas. Dêem carona aos amigos e colegas de trabalho, solicita pateticamente. Parece piada.O bairro da Mooca, zona leste, é o pior em qualidade do ar na cidade.
Por quê? Não há verde na região. Só prédios e automóveis. Lembro da obra de Jacob Penteado, “Belenzinho, 1910”, recordando essa mesma zona leste, local que tinha área para recuperação de doenças das vias respiratórias… Administradores como Prestes Maia, fundamentais para o urbanismo de São Paulo, acabaram na prática por privilegiar o carro em detrimento do transporte coletivo – ônibus e trens – e do metrô. A Paulicéia é uma cidade de automóveis, que privilegia os automóveis em prejuízo ao pedestre e ao ciclista, por exemplo. Viadutos, túneis, alargamento de avenidas – que derrubavam residências e praças – foram priorizados para o ‘progresso’ da ‘locomotiva do Brasil’, a ‘cidade que não pode parar’.
Resultado: temos cruamente falando uma cidade desgastada, cinzenta, poluída, congestionada, que espalhou-se sem planejamento, invadindo as matas da periferia e deixando o Centro Velho caduco, cheio de placas de ‘aluga-se’ e, ao mesmo tempo, repleto de prédios crescendo, verticalizando-se ao seu redor. Derrubando os mais antigos para subirem novos… Não seria melhor uma política para reabitar os espaços abandonados? Impor leis que exijam uma maior abrangência de área verde por região? Dar prioridade efetiva ao transporte público de qualidade? Conter as invasões de mananciais e áreas verdes?
São Paulo está pedindo socorro. Pede água fresca e ar para respirar. Parabéns aos seus gestores, amantes do ferro, do concreto e das obras faraônicas. E à sua população passiva. A ‘terra da garoa’, muito distante do Saara dos tuaregues, perde-se cada vez mais na memória e se candidata a sucursal do inferno. São Paulo, 27 de agosto de 2010.

Prof. José de Almeida Amaral JúniorProfessor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo

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