‘Santa Casa não tinha mais dinheiro para assumir responsabilidades financeiras no Brasil’

Logo da Jogos Santa Casa, no Porto. FOTO Iñaki Quenerapú

Mundo Lusíada com Lusa

 

Neste dia 15, a provedora exonerada da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Ana Jorge, justificou o abandono da internacionalização dos jogos sociais porque punha em causa a missão da instituição e por haver “dados muito preocupantes” sobre o processo.

“A Santa Casa não tinha mais dinheiro para assumir mais responsabilidades financeiras no Brasil, correndo o risco de não ter capacidade para pagar ordenados e colocar a sua causa em risco”, afirmou Ana Jorge, que foi ouvida pela manhã, pelos deputados da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, sobre a situação financeira da instituição e o processo de internacionalização dos jogos sociais.

Por outro lado, afirmou que já em maio de 2023, nos dias seguintes à tomada de posse, se iniciou um “levantamento exaustivo”, na sequência da qual a Mesa se deparou com dificuldades na obtenção de documentos, “situação que até hoje se mantém”.

“Quer quanto a todo o projeto de internacionalização do Brasil, quer também quanto a outras zonas geográficas que este projeto se estendeu”, disse.

Ana Jorge apontou que, à medida que o levantamento ia sendo feito, ficava mais claro a dificuldade de a Santa Casa Global Brasil e Santa Casa Global Portugal “virem a retirar algum lucro ou reaver alguns dos investimentos feitos”.

“Acresce que a gestão da Santa Casa Global, a criação desta rede de empresas e respetiva gestão foram sendo reveladas bastante opacas e com pouca fundamentação, existindo dúvidas sobre a regularidade de muitos dos custos suportados”, referiu, apontando que estas foram as razões para que a SCML tivesse recusado transferir mais 9 milhões de euros para o projeto quando Ana Jorge tomou posse.

Denunciou também o impacto dos encargos com os dois administradores nos últimos três anos – Francisco Pessoa e Costa e Ricardo Gonçalves – que “perfazem um total de 850 mil euros”, entre “ordenados, ajudas de custo, senhas de presença, despesas pessoais, entre outras, nomeadamente o pagamento da creche à filha”.

“O dilema com o qual fui confrontada era simples, mas de enormes consequências: ou se mantinham as prestações milionárias de financiamento da Santa Casa global naquilo que se perspetivava ser um poço sem fundo, comprometendo no curto, médio e longo prazo a própria Santa Casa, ou se assumiam que não existiriam mais transferências”, afirmou.

Disse estar convicta de ter tomado a melhor decisão para a instituição, acrescentando, no entanto, “ser falsa” a ideia de que a SCML deixou ao abandono as empresas no Brasil e deixou de cumprir com as suas obrigações, negando igualmente que a decisão de não continuar com o projeto de internacionalização tenha aumentado os encargos da instituição.

Questionada sobre que competências mantém pelo fato de estar em funções de gestão corrente, a provedora exonerada disse que pode apenas gerir processos em curso e alertou que a demora na nomeação de uma nova administração para a SCML “pode pôr em risco o orçamento para 2024”.

Legalidade

Ana Jorge voltou esta noite a deixar dúvidas sobre os negócios no Brasil, considerando mesmo que podiam envolver “parceiros não confiáveis”.

No programa “Grande Entrevista” da RTP3, ela voltou a explicar os motivos que a levaram a cancelar os investimentos no projeto de expansão para o Brasil, e disse haver uma ata, de uma reunião de 2022, segundo a qual os então responsáveis admitiam que “os negócios no Brasil não eram nem nunca seriam rentáveis”.

Nas palavras da responsável seria difícil o sucesso, numa área do país onde o jogo não é regulado, e uma esperança que houve em Brasília também não se concretizou, pelo que, disse, a melhor opção foi a Santa Casa retirar-se, negando no entanto que tenha saído de forma abrupta, até porque as empresas criadas estão a funcionar.

Ana Jorge disse que considerou que os custos de sair eram menores do que continuar, afirmou que a intenção do antigo provedor até podia ser boa mas que o que encontrou foi uma “complicação”, e que a Santa Casa de Lisboa “a única coisa que fazia era dar dinheiro para o Brasil”.

Em determinado momento, referiu, a situação teve de ser entregue às autoridades judiciais, até porque há “envolvimentos com parceiros que podem não ser confiáveis”.

Na entrevista ao jornalista Vitor Gonçalves Ana Jorge desvalorizou o investimento da anterior administração em imagens digitais (as chamadas NFT), de cerca de 500 mil euros, disse que é preciso dar nova vida aos jogos, e admitiu a preocupação com dependência de jogos (raspadinha).

Sobre o processo de exoneração pelo atual governo confessou-se surpreendida, porque na primeira reunião com a ministra da tutela disse que estava disponível para continuar e que esta lhe disse que confiava e até lhe perguntou quantos lugares vagos havia para colocar pessoas e se queria ficar com todos (da mesa).

Sobre declarações da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Ramalho, de que os gestores se tinham aumentado a si próprios Ana Jorge negou, disse que pela lei tal não era possível e que os aumentos que existiram não dependeram dos gestores.

Ana Jorge disse também que não está a pensar processar o ministério pela situação, e não considerou que a sua saída seja um “saneamento político”.

A administração da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi exonerada a 29 de abril passado.

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