Meus primeiros contatos com Ruy Mesquita ocorreram quando presidia o diretório metropolitano do Partido Libertador, de 1962 a 1964. Era o único partido parlamentarista do Brasil, tendo como seu presidente nacional a inesquecível figura de Raul Pilla. Desde o primeiro contato, impressionou-me a objetividade, a precisão de conceitos e a inabalável crença no país e na democracia.
Com o Ato Institucional nº 2 de 1965, abandonei a política, dedicando-me inteiramente a advocacia e ao magistério universitário. Retomamos nossos contatos quando presidi o Instituto dos Advogados de São Paulo. À época, seu jornal deu inteira cobertura às iniciativas pela redemocratização, assim como contra o abuso tributário. Foi dele a ideia da campanha, encampada pelo IASP e pela Associação Comercial de São Paulo, do “Diga não ao leão”, a qual levou o Presidente Sarney a alterar a legislação do imposto de renda, por força da pressão popular.
Nunca, nos meus 56 anos de advocacia, vi, em matéria fiscal, pressão popular semelhante. O povo nas ruas obrigou o governo a alterar a legislação, para amenizá-la. E a inspiração foi de Ruy.
Lembro-me da conferência que proferiu na abertura de congresso que coordenei sobre a Nova Constituição, dez dias antes de sua promulgação, em Belo Horizonte. Suas palavras impactaram a todos os presentes, juristas, senadores, deputados, ministros e governadores. Não me dedicarei, todavia, neste breve artigo, às inúmeras lições que deixou aos operadores de direito. Analisarei a conferência que proferiu no I Congresso Nacional de Executivos Financeiros (Jornal da Tarde, 15/10/83) sob o título: “A procura de um estadista”, e que, hoje, lida, revelou-se profética.
A Editora Saraiva publicou-a, posteriormente, em livro completado com alguns artigos meus também veiculados no Jornal da Tarde, intitulado “O poder”. Ao reler, após sua morte, aquele fantástico alerta de Ruy, dei-me conta de sua impressionante atualidade. Em análise contundente, mas clara, prevê que poderíamos tornar-nos uma república socialista, se não atalhássemos o aparelhamento do Estado, livrando-o daqueles que gostariam que toda a cidadania ficasse subordinada aos ditames e humores dos detentores do poder. E alertava para os riscos que a livre iniciativa e livre concorrência poderiam sofrer no Brasil, com a intervenção crescente do Estado, em suas diversas manifestações.
De certa forma, hoje, no governo da Presidente Dilma, com PIB cada vez menor e inflação cada vez maior, sem crescimento previsível pela frente e com um alargamento das estruturas oficiais e uma burocracia asfixiante, as previsões do inesquecível Ruy, dos maiores jornalistas da historia do Brasil, revelam-se, infelizmente, atuais. Nenhum país é tão burocratizado, tão ineficiente em suas estruturas administrativas, tão voltado aos interesses dos próprios detentores do poder como o Brasil.
Quando a remuneração da mão de obra ativa e inativa do governo federal, representa 10 vezes o valor da Bolsa Família – que atende 13 milhões de famílias -, percebe-se que a carga tributária superior a 35% do PIB, em sua maior parte, é destinada à sustentação do “establishement”, à semelhança do que ocorre nos governos socialistas.
Não sem razão, o governo brasileiro tudo faz para se curvar aos governos bolivarianos da Venezuela –, verdadeira ditadura, onde a oposição não tem sequer o direito de manifestar-se nos meios de comunicação, nem obter recontagem de votos, numa eleição cujos duvidosos resultados garantiram um outro aprendiz de ditador no poder─, da Bolívia, do Equador e da Argentina. Algum destes países, como Argentina, Venezuela e Bolívia, estão com problemas econômicos sérios, entre os quais a alta inflação e baixo PIB não são os únicos.
O fato de não buscar parceiros confiáveis, não estabelecer acordos comerciais bilaterais –temos 3 ridículos tratados— e submetermo-nos aos governos destes países, que sempre levaram a melhor, nas discussões comerciais com o Brasil, está a demonstrar a nítida preferência do governo brasileiro por estas “quase ditaduras”, silenciando a todos atentados contra a democracia, liberdade de imprensa, independência do Poder Judiciário e direitos das oposições, nelas perpetradas.
Os diversos editoriais que o Estado apresentou, ainda sob a supervisão de Ruy, vêm alertando a deterioração da democracia nestes países e o alinhamento brasileiro com tais semidemocracias, que prefere à independência e autonomia de negociação livremente com outras nações, submeter-se a seu jugo.
O que impressiona, todavia, no atual quadro nacional é a semelhança com a situação vivida em começos de 80, que levou Ruy, naquela antológica conferência, a alertar para os riscos de o Brasil tornar-se uma “República Socialista”.
Reconhecia ele, então, como reconheço, nos dias de hoje, que os anticorpos da democracia brasileira contra tais tendências são mais eficientes do que os dos nossos vizinhos. É certo, todavia, que começam a se tornar frágeis em face da preferência ideológica de quem detém o poder da República e que, no passado, ao lado de outros guerrilheiros formados em Cuba, lutou contra o regime de exceção de 64 a 85, não necessariamente para instalar uma verdadeira democracia, como muitos deles confessaram.
Num momento, em que o Brasil precisa de inteligências como a de Ruy, capaz de, com particular percuciência, diagnosticar os males da nação e propor soluções conseqüentes, sua falta será especialmente sentida.
Ruy Mesquita, que conheci e admirei desde os primeiros contatos e cuja vida acompanhei, muitas vezes, nos seus esforços para despertar a nação, está entre as figuras dos grandes pensadores da comunicação, que marcam uma época. No seu currículo, o reconhecimento dos detentores do poder nunca lhe fez falta. Hoje, porém, sua ausência faz incomensurável falta ao Brasil.
Dr.Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.