Da Redação com Lusa
O ex-presidente e atual senador brasileiro Fernando Collor afirmou que uma “ausência de atenção” poderá ter contribuído para um possível afastamento do Brasil face a Portugal, acrescentando que as relações melhorarão num eventual segundo mandato de Jair Bolsonaro.
Em entrevista à Lusa, em Brasília, o agora senador defendeu que há várias razões para o Brasil estar cada vez mais próximo de Portugal e dos países africanos de língua portuguesa e negou existirem motivos que justifiquem esse afastamento.
“Não, não há nenhum motivo. Acho que temos motivos para estarmos cada vez mais próximos de Portugal e dos países de língua portuguesa em África. Acho que é fundamental nós cultivarmos as nossas raízes, nós nos alimentamos pelas nossas raízes”, disse o antigo chefe de Estado (1990-1992).
“As nossas raízes estão fincadas em Portugal e em África e, portanto, devemos sempre estar muito preocupados em priorizar as nossas relações com um país como Portugal e com os países de língua portuguesa nesse continente africano. Acho isso muito importante e se alguma falha houve na condução da nossa política externa nesse período, talvez tenha sido uma ausência de atenção maior a essas nossas relações”, avaliou o político.
Segundo Fernando Collor de Mello, um fiel aliado do atual Presidente Bolsonaro, as relações entre os países lusófonos “vão melhorar” caso seja reeleito no sufrágio do próximo ano.
“As relações vão melhorar. Bolsonaro tinha marcado, inclusive, uma visita de Estado a Portugal, mas veio a pandemia e, enfim, isso atrapalhou e tirou-nos um ano e meio, sem podermos fazer as viagens planejadas. Mas acredito que agora, passada essa fase mais aguda da pandemia, sem dúvida que o Presidente Bolsonaro vai dar a atenção devida às nossas relações com Portugal e com os países de África de língua portuguesa”, acrescentou.
Semipresidencialismo
Num momento em que várias figuras políticas e do poder judicial estiveram em Portugal para debater a proposta de mudar a Constituição do Brasil para um regime de semipresidencialismo, Fernando Collor criticou a ideia e afirmou que “não vê” forma de esse projeto ser implementado no país num futuro próximo.
Questionado se o semipresidencialismo de Portugal resultaria no Brasil, o antigo Presidente, de 72 anos, avaliou que esse sistema “não existe”.
“O semipresidencialismo não existe, no meu entender. Ou existe o presidencialismo ou o parlamentarismo, o semipresidencialismo, esse sistema que querem adotar, é um sistema híbrido e que não é uma coisa nem outra. Eu sou, por convicção, um parlamentarista e acho que é o sistema que mais se adapta ao mundo contemporâneo, que estamos vivendo”, advogou.
“Então, eu não acredito no semipresidencialismo, acredito que devemos debater e discutir bastante para implementarmos no país o sistema parlamentarista de Governo. (…) Com todo o respeito às opiniões divergentes da minha, não vejo como ser implementado um sistema semipresidencialista”, concluiu.
O sistema brasileiro é presidencialista, mas confere poderes alargados ao Congresso, uma situação que, segundo vários juristas, cria grandes tensões entre os vários poderes.
Esta semana, em Lisboa, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, não garantiu que o projeto de alteração constitucional que permite ao país mudar de um sistema presidencialista para o semipresidencialismo seja aprovado em 2022, admitindo que poderá vigorar em 2026.
O ex-presidente do Brasil Michel Temer propôs na quarta-feira a realização de um referendo para votar a mudança para um regime semipresidencialista, durante as eleições presidenciais de 2022.
Presente em Portugal para o Fórum Jurídico de Lisboa, Temer esteve reunido com Marcelo Rebelo de Sousa na terça-feira, com quem discutiu essa sua proposta de mudança do regime político no Brasil.
Pandemia
Collor ainda criticou o momento pandêmico em que a CPI foi instalada no Senado brasileiro e avaliou que tudo não passou de um esquema para atingir o Presidente da República e fazê-lo passar por um processo de destituição.
Em causa está uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que ao longo de seis meses investigou alegadas falhas e omissões do executivo na gestão da pandemia, e que concluiu que Bolsonaro cometeu nove delitos, entre eles prevaricação, crime de responsabilidade ou crimes contra a humanidade.
“A CPI da pandemia foi criada com um único objetivo: No começo era velado, depois ficou desvelado, e esse objetivo era o de atingir o Presidente da República e de criar condições para levá-lo a um afastamento do cargo, e isso ela acabou não conseguindo”, disse.
A versão final do relatório da CPI, com 1.279 páginas, contém 80 pedidos de indiciamento: dois contra empresas que firmaram contratos com o Ministério da Saúde (a Precisa Medicamentos e a VTCLog) e 78 contra pessoas, entre o próprio chefe de Estado, ministros e ex-ministros do atual Governo, deputados, empresários, médicos, funcionários públicos, um governador, entre outros.
“O Brasil é já hoje o segundo país do mundo em vacinação, em números proporcionais à sua população. Já ultrapassamos (…) os Estados Unidos. Isso demonstra que, apesar dos atropelos iniciais, próprios do enfrentamento de uma pandemia que nunca ninguém tinha ouvido falar, e que pegou o mundo desprevenido, incluindo a OMS, o Brasil teve um atropelo natural, como vários outros países, mas finalmente conseguiu sair da crise mais aguada e hoje damos mostras de que a pandemia, se Deus permitir, está nos deixando”, acrescentou.
Eleições
O ex-presidente brasileiro também desvalorizou as sondagens que dão a vitória eleitoral de 2022 a Lula da Silva, mas avaliou que o antigo mandatário e o atual chefe de Estado, Jair Bolsonaro, “triturarão” qualquer outro candidato no primeiro turno.
“Não acho que haverá uma terceira via, porque o ambiente político no Brasil está muito polarizado e como em qualquer outro lugar, quando existem dois candidatos polarizando a eleição, fortes e com forte apelo popular, como é o caso do Presidente Bolsonaro e do ex-presidente Lula, as candidaturas que estiverem nesse meio tendem a ser trituradas na fricção da polarização. Quem estiver nesse meio esfarela-se. Não sobrevive”, disse.
“Então, não acredito que um candidato de terceira via tenha condições. Acho que a eleição será favorável ao Presidente Bolsonaro, mas quem disputará com ele será o ex-presidente Lula”, acrescentou Collor.
“Essas sondagens são muito volúveis e eu vejo isso por mim. Na eleição da qual eu participei, e a qual foi disputada por 22 candidatos, em 1989, nessa época eu estava em penúltimo ou último lugar (as sondagens), e acabei saindo vitorioso da eleição. Acho que ainda é muito cedo para avaliarmos a consistência dessas pesquisas”, declarou.
Questionado se voltará a apoiar Bolsonaro no próximo ano, Collor, o primeiro Presidente eleito diretamente por voto popular na “nova República”, é firme em assumir que o atual presidente poderá contar com o seu voto, por ser uma pessoa “séria, honesta e correta”, e nem mesmo os cerca 140 pedidos de destituição que o capitão do Exército acumula demovem a sua confiança.