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Da Redação
Com Lusa
Nesta terça-feira, Jorge Jesus assumiu no julgamento do ataque à academia de Alcochete que a relação com Bruno de Carvalho “não era assim tanta” para falarem muitas vezes, mas que também “não dava muitas hipóteses” para que isso acontecesse.
O treinador contou que “houve um confronto verbal entre os capitães da equipe [Rui Patrício e William Carvalho] e Bruno de Carvalho” na reunião de 07 de abril de 2018, dois dias após a derrota com o Atlético de Madrid, e o ‘post’ publicado na rede social Facebook pelo antigo presidente do clube, a criticar os jogadores.
Jorge Jesus revelou que Bruno de Carvalho, um dos 44 acusados no processo, tentou avançar com processos disciplinares contra os atletas, após um ‘post’ publicado pelos jogadores, em resposta ao ‘post’ de Bruno de Carvalho, o qual deu indicações para que na partida diante do Paços de Ferreira, no domingo, 08 de abril, jogasse a equipe B.
“Não falou muito diretamente comigo, a nossa ligação não era assim tanta para falarmos tantas vezes, nem eu dava muitas hipóteses. Na véspera do jogo com o Paços de Ferreira, faço a convocatória e jogaram os jogadores que achava que deviam jogar”, explicou Jorge Jesus que, nesse jogo, apresentou a equipe principal.
O técnico foi questionado sobre a reunião de 14 de maio [segunda-feira] de 2018, véspera do ataque e um dia depois da derrota do Sporting contra o Marítimo por 2-1, que significou a perda do segundo lugar do campeonato para o Benfica e levou à troca de palavras entre jogadores e elementos da claque Juventude Leonina, primeiro no relvado, após o jogo, e depois no Aeroporto do Funchal.
O treinador referiu que a equipe técnica foi, nesse dia, convocada para uma reunião no Estádio José de Alvalade, na qual esteve presente Bruno de Carvalho e mais três administradores da SAD.
“O que pensamos é que íamos ser todos despedidos. Quando chegamos à reunião, estava o presidente, e três elementos da direção. Só ele [Bruno de Carvalho] é que falou comigo. A primeira intervenção dele, nunca mais me esqueci, foi que tinha chegado o fim da linha, a minha continuidade. Foi apresentando os argumentos dele, falou, falou, nunca respondi. Lembro-me que ele me perguntou se eu não tinha nada para dizer e eu disse: ‘só estou aqui para ouvir’”, relatou Jorge Jesus.
Nessa conversa, acrescentou o técnico, Bruno de Carvalho explicou que os advogados do Sporting iam tratar da “nota de culpa”, mas que não sabia muito bem quanto tempo é que isso iria demorar, razão pela qual devia estar à espera de receber a notificação.
Face a esta indecisão quanto ao tempo para a formalização da nota de culpa, Jorge Jesus referiu que foi Bruno de Carvalho que pediu para que o treino do dia seguinte, dia do ataque, passasse de manhã para a tarde.
“Então ele [Bruno de Carvalho] disse que o treino tinha de passar para a tarde. Falei com o Vasco [Fernandes, secretário técnico] e passámos o treino para a tarde. Disse a um dos meus adjuntos para, no dia seguinte, ir então à frente, para ver se podíamos entrar na academia entre o meio dia e pouco e a uma hora”, relatou o treinador.
Ainda nessa reunião, Bruno de Carvalho contou que falou com Fernando Mendes, arguido e antigo líder da claque Juventude Leonina (JL), “até às sete da manhã” desse dia, na sequência do que se tinha passado no dia anterior, após o jogo na Madeira.
“Disse que estava uma grande confusão na casa dele, que aquilo foi até às sete da manhã, que tinha falado com o Fernando Mendes, que ele é que desbloqueou tudo e que nós não sabíamos o que é que estava a ser preparado”, referiu Jorge Jesus, sem concretizar a que o antigo presidente se referia.
Fernando Mendes foi um dos elementos que esteve no Aeroporto do Funchal a confrontar os jogadores do Sporting, quando estes se preparavam para embarcar.
Jorge Jesus disse ao coletivo de juízes o que ouviu o ex-líder da claque JL dizer: “No primeiro dia de treino, vamos lá estar”, contou o treinador, atualmente ao serviço do Flamengo, do Brasil.
Questionado pela presidente do coletivo de juízes se Fernando Mendes lhe pediu autorização para ir à academia ou se falou mais alguma coisa com o arguido, a testemunha foi clara.
“Só falei com esse senhor [Fernando Mendes] no dia da invasão”, assegurou Jorge Jesus, que reconheceu este arguido e o arguido Elton Camará (Aleluia) que vinham de cara destapada, aquando do ataque à academia, e a quem o treinador pediu ajuda para que Fernando Mendes impedisse a entrada dos invasores no balneário, onde estava o plantel.
Mal-estar geral
Jesus ainda revelou que havia um “mal-estar geral” entre o plantel do Sporting e Bruno de Carvalho, na sequência do ‘post’ do então presidente do clube a criticar os jogadores, publicado após a derrota em Madrid.
“Havia um mal-estar entre os jogadores, o grupo todo, comigo também, e o presidente. O mal-estar era geral, do grupo todo. Vem na sequência do ‘post’ de Madrid e de mensagens privadas que ele [Bruno de Carvalho] mandava a cinco ou seis jogadores. Numa reunião, o presidente virou-se para o Rui Patrício e disse: ‘fala mais baixo que o presidente aqui sou eu’”, revelou Jorge Jesus.
Miguel Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, voltou a questionar o técnico sobre quais os jogadores que se recusaram a falar com o então presidente do Sporting, que se deslocou à academia de Alcochete após o ataque.
“Todos os jogadores foram para a sala de estar para não se encontrarem com ele. Nenhum queria falar com ele. Houve um telefonema a dizer que o presidente vinha à academia. Alguns jogadores até disseram: ‘nem vale a pena ele vir’. Os jogadores afastaram-se dele, fugiram dele”, referiu Jesus.
O treinador revelou que, após a invasão, disse a Bruno de Carvalho que “não queria trabalhar mais com ele, que queria ir embora”.
Jorge Jesus afirmou também que Bruno de Carvalho o informou de que havia a possibilidade de Rui Patrício e William Carvalho saírem do clube. “Disse-lhe que para mim era importante eles não saírem”, indicou.
Sobre o ataque à academia, o treinador reconhece que o episódio o marcou.
“Emocionalmente, mexeu comigo. Já passaram dois anos, mas ainda hoje sinto tristeza pelo que aconteceu”, assumiu, admitindo que os jogadores sentiram o episódio de uma forma mais intensa.
“Eles ficaram muito mais traumatizados do que eu. Senti que tiveram muito mais medo do que eu. Estávamos a uma semana da final da Taça de Portugal. Tentei treinar, mas diziam ‘nós não temos capacidade para treinar, não temos capacidade para entrar na academia’. Por isso, só treinamos sete dias depois [da invasão], na véspera da final com o Desportivo das Aves. O único treino que fiz foi na véspera, no Estádio Nacional, no Jamor”, relatou.
Jorge Jesus adiantou que, nessa semana, pediu aos capitães da equipa para treinar, mas a resposta foi: “ninguém tem capacidade psicológica para entrar na academia”.
Questionado sobre como estava a equipa para a final da Taça de Portugal, realizada em 20 de maio, o treinador foi claro.
“Senti uma equipa completamente perdida, descomprometida, sem capacidade emocional para o jogo. Foi um dos grandes erros meus deixar que a final se realizasse naquele momento, pois os jogadores mão tinham condições para jogar”, afirmou o técnico.