Por Carlos Fino
À medida que se aproxima a data do referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia – 23 de Junho – cresce a inquietação nas principais capitais do velho continente: e se os ingleses disserem “não”?
Os mais preocupados parecem ser os alemães. Enquanto Paris se limitou a advertir Londres de que um resultado negativo “teria consequências”, Berlim foi mais além: o controverso ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schauble, chegou a ir à Grã-Bretanha fazer campanha pelo “sim”; e esta semana a conceituada revista germânica “Der Spiegel” – um dos mais importantes semanários europeus – fez um apelo dramático aos ingleses titulando a toda a largura da capa e em caixa alta: “BITTE GEHT NICHT!” (“POR FAVOR, NÃO SAIAM!” – sic).
As pesquisas de opinião têm sido, até agora, inconclusivas, dando ora vantagem ao “sim”, ora predominância do “não”, mas sempre por pouca diferença, o que mostra um eleitorado muito dividido, que tanto pode oscilar para um lado como para outro, em função de factos ou fatores de última hora. Tudo indica, portanto, que a incerteza irá permanecer até ao fim, o que só faz aumentar a angústia de todos quantos se preocupam com o futuro da União Europeia.
Os meios de negócios e financeiros e o establishment britânico de uma forma geral são a favor da permanência do país na UE, considerando que a estabilidade é preferível à incerteza que um divórcio viria criar, mesmo tendo em conta que a separação levaria tempo e seria regulada em regime de ”damage control”.
Mas há largos sectores de opinião – dentro e fora do Partido Conservador do primeiro ministro David Cameron – que são genuinamente contra a permanência do país na UE por considerarem que Londres poderia recuperar parte da soberania perdida no processo de integração europeia sem perder as vantagens óbvias do mercado único, de que poderia continuar a desfrutar através de acordos específicos, a exemplo do que fazem a Noruega e a Suíça.
UM POUCO DE HISTÓRIA
A reemergência da questão europeia no Reino Unido reedita as suspeitas de sempre da velha Albion em relação ao projeto de integração do velho continente fomentado desde o final da última guerra pelo eixo franco-alemão.
Enquanto os continentais (França e Alemanha) visavam a criação de um centro alternativo de poder em relação às duas grandes superpotências da altura (EUA e URSS), Londres preferia claramente manter com os Estados Unidos uma “special relationship”. Daí que De Gaulle sempre encarasse os ingleses como uma espécie de cavalo de Tróia dos interesses americanos na Europa, tendo inclusive vetado por duas vezes (1963 e 1967) a entrada da Grã Bretanha na então Comunidade Económica Europeia – CEE. ]
Afastado De Gaulle, Londres entrou, finalmente, nos anos 70; mas foi sempre, de então para cá, um parceiro relutante e exigente, forjando ao longo dos anos um estatuto especial, com uma série de “opt-outs” que a isentam de responsabilidades nas áreas que não lhe agradam, ao mesmo tempo que continua a desfrutar das vantagens inerentes a um membro de pleno direito.
Este é, aliás, um dos principais argumentos dos partidários do “sim”: se já temos – afirmam – um estatuto especial no clube (melhorado, aliás, no começo deste ano por Cameron junto de Bruxelas), para quê sair e criar problemas a nós próprios?
Um argumento que é, no entanto, reversível: se já ganhamos com um pé fora – dizem, em substância os partidários do “não” – muito mais poderíamos ganhar deixando por completo de estar submetidos às burocráticas regras comuns europeias…
CONSEQUÊNCIAS IMPREVISÍVEIS
A dúvida permanece e há teses e análises para todos os gostos, desde as mais amenas às catastróficas.
A verdade é que é difícil prever com absoluta certeza as consequências de uma saída dos ingleses na medida em que tudo depende da interação de vários fatores.
Uma coisa é certa – o abalo seria enorme e haveria provavelmente repercussões no plano estratégico, com a Rússia seguindo de perto os acontecimentos. Não por acaso, o presidente norte-americano Barack Obama interveio em favor do “sim” ou não tivessem sido os Estados Unidos desde sempre favoráveis à integração europeia.
“A União Europeia – disse Obama de visita a Londres em Abril com o único propósito de apoiar a campanha do “sim” – não diminui a influência britânica, pelo contrário amplia-a”; acrescentando que “uma Europa forte não é uma ameaça para a Grã-Bretanha, enquanto líder em termos globais, mas sim uma mais-valia”.
De então para cá, multiplicaram-se os avisos sobre os efeitos altamente negativos que uma saída da UE teria em termos económicos. Mas os partidários do “não” permaneceram firmes e há até pesquisas de opinião que indicam que essa “campanha do medo” poderia ter efeitos contrários ao pretendido.
Para a UE, já hoje fortemente abalada pela crise do euro e dos refugiados, e em perda de popularidade pelo progressivo abandono dos ideais de convergência e solidariedade, substituídos que foram por uma visão economicista estreita, a rejeição pela Grã-Bretanha provocaria – pelo menos de início – um abalo sísmico de grandes proporções, a que se seguiriam certamente algumas fortes ondas de choque, com o inevitável reforço das tendências eurocépticas em todo o continente.
Que a situação é séria mostram-no as declarações do ministro Schauble, também esta semana, ao semanário Spiegel, sublinhando que “a Europa continuará a trabalhar sem a Grã-Bretanha, se necessário”.
O responsável pelas Finanças da Alemanha reconheceu, por outro lado, que o Banco Central Europeu tem vindo a preparar-se para qualquer eventualidade, e que os governos da UE trabalham também com diferentes cenários, a fim de poder dar aos mercados uma orientação clara logo que seja necessário.
Se o pior acontecer – ou seja, na opinião de Schauble, um voto do “não” – “será importante manter a calma: “(Diremos): é uma decisão que não queríamos, mas vamos fazer com ela o melhor que pudermos. Não há razão para entrar em pânico.”
Como diria o poeta, mais fácil é afirmá-lo do que confirmá-lo… mas afirme-o quem não puder confirmá-lo…
É verdade que a Europa sempre avançou por crises e o pior não tem necessariamente que acontecer. Mas também não é menos certo que nunca antes a UE enfrentou uma conjugação de processos e fatores negativos tão fortes. E tudo certamente se agravaria ainda mais com uma vitória do “não” no referendo do próximo dia 23.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012). Escreve semanalmente para o Jornal Mundo Lusíada.