Por Carlos Fino
Contrariamente à ideia muito divulgada de que estamos perante uma “corrente migratória”, a verdade é que a grande maioria das pessoas que agora batem às portas da Europa é – segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas dirigido por António Guterres – constituída por refugiados.
Não é gente em busca de uma simples melhoria de vida, aliás inteiramente legítima, mas gente que não tem escolha – ou fica e corre risco de tortura, destruição dos bens e morte, ou parte para tentar salvar a vida. Ninguém se torna refugiado porque quer.
Todos os países que integram a UE assinaram – e bem, em nome dos princípios humanistas de que a Europa se orgulha – as Convenções de Genebra dos anos 50 que criaram o quadro jurídico internacional que regula a situação dos refugiados e consagra o seu direito à proteção da vida.
Não há portanto, lugar para quaisquer subterfúgios – A UE ESTÁ DE FORMA INQUESTIONÁVEL OBRIGADA A CUMPRIR ESSES ACORDOS.
Uma obrigação tanto maior quanto é certo que os países europeus, mais desenvolvidos, nem sequer são os que suportam o maior fardo deste problema global.
Vejam-se os números: dos 59,5 milhões de refugiados existentes no mundo (dados da UNHCR), 20 milhões encontram-se fora dos seus países de origem. E destes 20 milhões, 80% (oitenta por cento!) estão situados em países em desenvolvimento, com muito menos recursos do que os países europeus.
Uma comunidade como a UE, de 500 milhões de habitantes, com um dos índices de desenvolvimento humano mais avançados do mundo, que se pretende apresentar como exemplo internacional, não pode simplesmente voltar as costas a este grave problema humanitário.Tem estrita obrigação legal e moral de ajudar quem chega.
Erguer barreiras com arame farpado, cães e soldados armados, tentar desencorajar a corrente por via da publicitação dos desastres em grande escala, deixar refugiados semi-abandonados por longos períodos em campos sem condições, não é, como já se percebeu, solução.
Essas dificuldades só estimulam o tráfico ilegal de pessoas. Já hoje, agentes sem escrúpulos de vários países coordenam esforços e lançam-se como bandos de aves de rapina sobre as pessoas indefesas, aproveitando-se das circunstâncias para fazer lucro à custa da vida alheia.
A UE NÃO PODE PERMITIR QUE ESTA SITUAÇÃO CONTINUE
O que estaria de acordo com os princípios humanistas que diz professar seria a UE organizar vias claras de acesso – retirando campo de ação aos traficantes – , manter uma vasta rede de centros de acolhimento com condições humanas de tratamento, nos quais se tem de fazer a triagem para garantir um mínimo de segurança, e cumprir as obrigações internacionais decorrentes das Convenções de Genebra de que os países que a integram são signatários, concedendo asilo aos refugiados.
Entretanto, como é evidente, a regra aprovada há anos em Dublin de que deve ser o primeiro pais de contacto a conceder o asilo precisa de ser revista e o fardo do acolhimento equitativamente distribuído, de acordo com o princípio do “burden share”.
Grande problema para a UE? Acho que não. Na verdade, longe de serem só um problema, muitos dos refugiados poderão até dar um contributo para debelar a crise demográfica enfrentada por vários países europeus (incluindo o nosso), e até reforçar, pelas suas contribuições, os respectivos sistemas de segurança social.
Isto é o mínimo a que a UE está obrigada, tanto mais que foi por responsabilidade ou cumplicidade de alguns dos seus principais países que Estados antes estáveis se transformaram, nos últimos anos, em focos de instabilidade, caos e guerra. Basta pensar no Afeganistão, Iraque, Líbia (de onde vieram o ano passado 2/3 dos refugiados) e Síria…Quem semeia conflitos, colhe refugiados.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012).