Corrupção, protagonismo excessivo, reformas e desenvolvimento – embora pareça contraditório, esse é o retrato do momento brasileiro. Luta-se contra a corrupção, há excesso de protagonismo das autoridades – apesar de idôneas – no seu combate, as reformas são necessárias, mas atingem interesses burocráticos, políticos e de grupos, e o desenvolvimento só se fará se o país voltar a ter paz para que o governo, com corretas sinalizações, venha a implementá-las.
De que o juiz Sérgio Moro com a colaboração do Ministério Público e da Polícia Federal passarão à História, pois representam um verdadeiro divisor de águas entre o Brasil antes e depois da operação Lava Jato, não tenho a menor dúvida. Conscientizaram o país de que a corrupção, nos meios políticos, tem que ser combatida e os novos políticos –São Paulo, nas eleições municipais, deu um exemplo— terão que possuir, antes de tudo, um perfil ético. O povo não aceita mais governos corruptos.
Nem por isto sua ação deixou de ultrapassar, por vezes, os limites estabelecidos para autoridades de seu nível. Os crimes investigados têm mais o perfil de “concussão”, imposição, pelos governantes, de condições para que empresas contratassem com o Estado – sem o que teriam que paralisar suas atividades -, do que “corrupção”, em que empresários corrompem autoridades. Por outro lado, a midiática atuação do Ministério Público para acusar não condiz com a serenidade necessária que o “Parquet” deve ter, para dar densidade a suas acusações.
O próprio Supremo Tribunal Federal, constituído de onze excelentes juristas, na onda de um protagonismo no passado inconcebível, tornou-se legislador constituinte, sobrepondo-se ao poder do Congresso de criar normas, superando disposições constitucionais e causando turbulências no processo legislativo. Basta, por exemplo, verificar a postura do Pretório Excelso, ao modificar o regimento interno do Senado, impondo novas regras para o “impeachment”. No impedimento do Presidente Collor, dois dias após a decisão da Câmara, o Senado determinou sua destituição, enquanto no da Presidente Dilma, levou quase um mês, em que o país ficou, praticamente, sem governo. Dilma, não era presidente, senão formalmente, e Michel Temer não podia governar, nada obstante a certeza do afastamento aprovado pela Câmara dos Deputados.
O Brasil, todavia, precisa de maior serenidade agora, em que é apresentado um projeto coerente de reconstrução de uma nação arrasada, com seus alicerces passando a ser reconstruídos a partir da PEC 241.
O primeiro passo é controlar as despesas de uma burocracia esclerosada. Na Comissão do Senado de que participo, presidida pelo Ministro Mauro Campbell e com relatoria do Ministro Dias Toffoli, temos elaborado por Aristóteles Queiroz, um anteprojeto de desburocratização que deverá em breve ser levado à Casa da República. A PEC 241 está neste caminho.
Há, porém, algumas reformas fundamentais que devem ser promovidas para que um novo edifício institucional seja construído. A reforma política é necessária. Embora eu, pessoalmente, defenda o parlamentarismo desde os bancos acadêmicos (poderá o leitor acessar o ebook que coordenei sob o título “Parlamentarismo, utopia ou realidade?” com 24 ínclitos juristas de reconhecimento nacional e internacional www.gandramartins.adv.br ou no meu e-mail [email protected], creio que o primeiro passo será a adoção de cláusula de barreira, com avaliação da performance partidária para a manutenção dos partidos; voto distrital misto, ou seja, metade dos deputados sendo eleitos no distrito e metade por eleições proporcionais; financiamento de campanha sob rígido controle e eliminação de coligações partidárias.
A reforma previdenciária, embora de impacto a mais longo prazo, é imprescindível. Se não vier, a população que trabalha não terá como sustentar uma população superior aposentada, no futuro. A reforma trabalhista, no que concerne à terceirização e às convenções coletivas de trabalho, é relevante para reduzir o desemprego, que a CLT de 1943 (verdadeira “vaca sagrada intocável” dos indianos) de longe não protege. Quanto a reforma burocrática, temos esperança de que o nosso anteprojeto, que surge de uma Comissão criada pelo próprio Senado com esta finalidade, possa ser aprovada.
A reforma tributária não pode esperar mais. Reclamam os governantes dos Estados, os quais embarcaram na guerra fiscal inconstitucional (assim a definiu o STF), que não têm dinheiro. Foram, todavia, os responsáveis por uma irracional política de incentivos, tendo deixado de cobrar ICMS de grupos que se instalavam em seus territórios, inclusive gerando descompetitividade no próprio Estado. É de se lembrar que o Supremo sempre considerou inconstitucional tal pratica, sem que os Estados se curvassem, pois editavam novas leis padecendo do mesmo vício, tão logo a lei anterior era declarada violadora da Carta da República.
A reforma do Judiciário é importante. A Constituição Federal sinalizou a necessidade de uma nova lei orgânica da Magistratura. Como a iniciativa é do próprio Judiciário, até hoje não houve qualquer proposta neste sentido, continuando a velha e ultrapassada lei complementar de 1975 (LC 35) a reger um Poder, que, de longe, nada obstante ser o melhor dos três Poderes, não atende mais a necessidade dos jurisdicionados.
Enfim, poderá o Presidente Michel Temer, hábil político e excelente constitucionalista, com sua capacidade reconhecida de articulação e serenidade de pronunciamentos não demagógicos, dar início a esta árdua empreitada, para que o país saia de uma crise sem precedentes em sua história, construída pelos desastrosos governos dos últimos 13 anos. É o que os brasileiros esperam, para que as potencialidades do país possam permitir a sua gente o crescimento que merece.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.