Por Ígor Lopes
Do Rio para Mundo Lusíada
Numa entrevista exclusiva ao Mundo Lusíada, o embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Ribeiro Telles, garantiu que as relações entre os dois países irmãos devem ser ampliadas. Numa política de aproximação, por parte do governo português, o objetivo agora é mudar a imagem de Portugal por aqui. Esta autoridade portuguesa em solo brasileiro abordou temas como a necessidade de se estabelecer uma “aliança estratégica econômica” entre os dois países, falou sobre o papel das Câmaras de Comércio portuguesas no Brasil e a importância do uso da tecnologia nos consulados. O diplomata sublinhou ainda que há projetos portugueses de ponta como a atual “transformação estrutural da economia lusa” e disse ser fundamental optar por uma “operação estruturada de cooperação entre entidades e agentes públicos e privados” de Portugal e Brasil.
Francisco Ribeiro Telles diz reconhecer que a comunidade portuguesa tem uma reconhecida “marca na sociedade brasileira” e que uma das apostas do governo lusitano é incrementar as exportações portuguesas para o Brasil. Como que numa tentativa de união entre os portugueses residentes no nosso país, Ribeiro Telles convocou os cidadãos lusitanos a participarem da vida consular e a vivenciarem eventos e atividades culturais.
Mundo Lusíada (ML): Hoje, fala-se intensamente sobre a necessidade de se aproximar Brasil e Portugal economicamente. Em algumas entrevistas, o senhor disse que existe ainda margem para se intensificar o relacionamento entre os dois países, tendo em conta a economia. Como isso seria possível e qual deveria ser o primeiro passo?
Francisco Ribeiro Telles (FRT): Portugal mantêm, desde sempre, um relacionamento estreito com o nosso país irmão, o Brasil, assente num vasto e crescente número de interesses comuns e numa multiplicidade de iniciativas e ações conjuntas, que se pretende aumentar e melhorar. Do que se trata, agora, é de construirmos uma verdadeira Aliança Estratégica, projetada para o futuro. Intensificar o nosso relacionamento, nomeadamente em nível econômico, volume de trocas comerciais, investimentos e parcerias recíprocas, mutuamente vantajosas, é a prioridade.
ML: É certo que Portugal passa por problemas financeiros graves. Mas os indicadores atuais mostram que a economia começa a se estabilizar e pode começar a ganhar fôlego para crescer num futuro próximo. Que garantias Brasil e Portugal devem dar – ou ter – para que seja possível ter confiança recíproca em termos de investimento? Como fazer com que empresas dos dois países reconheçam que esse é um bom momento para se investir nos dois lados do Atlântico?
FRT: Portugal, por necessidade, mas também por expressa vontade própria, encetou uma política de transformação estrutural da economia. A agenda estrutural é vasta e visa a aumentar o potencial produtivo do país e impulsionar a dimensão competitiva de todos os setores de atividade. Em poucos meses, o governo português flexibilizou as leis trabalhistas, introduziu melhorias no sistema judiciário, existem novas leis da Concorrência, uma nova Lei da Arbitragem e um novo Código de Insolvência, sempre alinhados com as melhores práticas internacionais. Em nível das privatizações, aceleramos o programa previsto, tendo conseguido já, numa conjuntura desfavorável, e em apenas duas transações no setor de energia, encaixar mais de 60% das receitas esperadas com todo o programa. Queremos uma imagem de um país amigo dos investidores e mostrar que Portugal será um bom lugar para investir.
ML: Qual deve ser, nesse contexto, o papel das Câmaras Portuguesas de Comércio de Indústria?
FRT: Neste novo contexto econômico, o papel das Câmaras de Comércio portuguesas no Brasil é cada vez mais relevante. São agentes da nossa diplomacia econômica, graças às redes aqui criadas, ao seu empreendedorismo, ao seu conhecimento do terreno, mas também no apoio que dão à internacionalização das nossas empresas, ao reforço do comércio bilateral e à captação de investimento brasileiro para o nosso país.
ML: Neste período em que já atua no Brasil, que imagem consegue traçar do nosso país e da comunidade portuguesa que aqui reside?
FRT: Cheguei ao Brasil há poucos meses. Daquilo que pude observar, constatei que a Comunidade Portuguesa no Brasil é um exemplo de integração, de participação cívica, de dinamismo e de empreendedorismo com obra feita. É uma comunidade com marca na sociedade brasileira. E isto nas mais diversas áreas: da cultura ao comércio, da indústria ao turismo.
ML: Atualmente, os consulados portugueses pelo Brasil passam por problemas de estrutura e atendimento. Cidadãos questionam o atendimento consular, informações desencontradas por parte dos funcionários, prazos curtos, morosidade e muita burocracia. No Rio, há inclusive inspeções das autoridades portuguesas em curso. Como avalia esses problemas e como eles podem ser solucionados? No caso do Rio, o cônsul Nuno Bello anunciou uma aposta forte nos serviços on-line. Essa pode ser uma saída?
FRT: A atividade consular tem uma dinâmica muito própria, que exige uma adaptação constante ao espaço, ao tempo e às necessidades de quem procura os Consulados. Graças a nossa história comum, e aos laços afetivos que nos unem, acompanhados de fluxos migratórios regulares, Portugal dispõe de uma densa rede consular no Brasil, com postos nos principais centros urbanos. Nos últimos anos, e graças às chamadas novas tecnologias, esta rede tem vindo a modernizar-se para adequar a oferta dos serviços a uma procura cada vez mais exigente por parte dos utentes, nomeadamente em termos de celeridade. Há, naturalmente, épocas de maior procura que podem acarretar maiores tempos de espera, mas a tendência que constato, através do permanente contato que mantenho com os responsáveis dos Consulados, é de uma melhoria significativa na qualidade dos serviços prestados, que importa agora prosseguir e generalizar.
ML: O número crescente de portugueses que residem no Brasil é uma preocupação para Portugal?
FRT: Para mim, enquanto Embaixador de Portugal no Brasil, a chegada de novos emigrantes portugueses é, acima de tudo, um desafio e uma mais-valia que terá, estou certo, resultados muito gratificantes. Vêm juntar-se a uma das mais importantes Comunidades de Portugueses e Luso-Brasileiros que são um exemplo de integração e de dinamismo por esse Brasil afora. E ajudam-nos a congregar esforços para prosseguir os nossos objetivos de projeção de Portugal do século XXI no Brasil, para o fortalecimento das nossas relações. Aproveito para deixar aqui um apelo aos portugueses que procurem os postos consulares, se inscrevam, tomem conhecimento e participem das atividades econômicas, culturais e sociais promovidas pela Embaixada e pelos nossos Consulados.
ML: Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Paulo Portas, 66 embaixadas portuguesas já viram o plano de negócios aprovado e que o mesmo vai acontecer com as restantes até ao final do verão. Esse plano já está contemplado por aqui? Paulo Portas referiu ainda que “cada embaixada neste momento sabe quais são as metas, quais são as missões e tem a obrigação de comunicar quais são as oportunidades”.
FRT: Sim. A Embaixada de Portugal no Brasil, em conjunto com o AICEP, já tem definido a Estrutura e Plano de Ação da Diplomacia Econômica que contêm um amplo conjunto de atividades e iniciativas visando ao incremento das exportações portuguesas para o Brasil e, neste contexto, aumentarmos as cotas de mercado brasileiro para os nossos produtos. Por outro lado, é nosso objetivo também captar mais investimento em Portugal onde os capitais brasileiros são muito bem-vindos e recordo que temos ainda pela frente importantes processos de privatizações, como TAP, ANA, CTT, Estaleiros Viana do Castelo, etc.
ML: Agora em setembro, teremos o ano comemorativo de Portugal no Brasil e do Brasil em Portugal. Por que existe essa necessidade de se vender uma imagem de um Portugal moderno? Que benefícios esse evento pode trazer para os dois países e o que podemos esperar disso tudo?
Queremos levar ao Brasil um Portugal até aqui desconhecido. Com enfoque na modernidade e na inovação – mostrando criatividade, tecnologia, competências e conhecimento, através de uma operação estruturada de cooperação entre entidades e agentes públicos e privados, dos dois países. Trata-se de atualizar a imagem de Portugal no Brasil, projetando um Portugal virado para o futuro, sem esquecer o seu vasto patrimônio histórico e cultural.