Produtora diz que prêmio de Cannes distingue a “liberdade que tem sido dada ao cinema português”

Mundo Lusíada com Lusa

 

A produtora portuguesa Filipa Reis afirmou à agência Lusa que o prêmio atribuído pelo festival de Cannes ao cineasta Miguel Gomes “significa que vale a pena apostar na liberdade que tem sido dada ao cinema português”.

Miguel Gomes venceu dia 25 o Prêmio de Melhor Realização no Festival de Cinema de Cannes (França) – um feito inédito no cinema português – pelo filme “Grand Tour”, produzido por Filipa Reis, da produtora Uma Pedra no Sapato, em coprodução com Itália, França, Alemanha, China e Japão.

“Sabendo que não somos um país com grandes capacidades financeiras, temos apostado na possibilidade de arriscar em projetos que são de autor. Ou seja, os autores têm a possibilidade de criar livremente e isso é o mais precioso no nosso cinema e acho que é o que nos trouxe até aqui”, disse a produtora à Lusa, pouco depois da cerimônia de encerramento do festival.

A história de “Grand Tour” segue um romance de início do século XX, com Edward (Gonçalo Waddington), um funcionário público do império britânico que foge da noiva Molly (Crista Alfaiate) no dia em que ela chega para o casamento.

Na preparação deste filme, ainda antes da pandemia da covid-19, Miguel Gomes fez um arquivo de viagem pela Ásia – por exemplo, Myanmar (antiga Birmânia), Vietname, Tailândia, Japão -, para traçar o trajeto das personagens, recolhendo imagens e sons contemporâneos.

Só depois desse périplo, Miguel Gomes rodou em 2023 as cenas com os atores em estúdio, em Roma, recriando um ambiente de época de 1918, o tempo da história de Edward e Molly.

O argumento é coassinado pelo cineasta com Mariana Ricardo, Telmo Churro e Maureen Fazendeiro.

Miguel Gomes recebeu o prémio das mãos do cineasta alemão Wim Wenders e num curto discurso agradeceu ao cinema português, sublinhando a raridade que é haver filmes portugueses na competição oficial, e estendeu o agradecimento a “grandes cineastas” como Manoel de Oliveira, que o inspiraram a fazer cinema.

Há 18 anos, em 2006, na competição de longas-metragens esteve “Juventude em Marcha”, de Pedro Costa.

“Grand Tour” não tem ainda data de estreia anunciada, tanto internacional como em Portugal, mas Filipa Reis aproveitou Cannes para trabalhar a produção do próximo filme de Miguel Gomes, o já revelado “Selvajaria”, a rodar no Brasil, a partir da obra literária “Os Sertões”, do escritor brasileiro Euclides da Cunha.

“Enquanto produtora do próximo filme do Miguel, [o prêmio em Cannes] dá-me uma expectativa – espero que seja cumprida – de que o próximo filme poderá ter um financiamento mais rápido e em menos tempo. Porque um dos problemas do cinema português é que, como o financiamento é baixo, demoramos muitos anos a conseguir completar os filmes. A minha ambição é que o próximo filme do Miguel chegue às salas de cinema mais rápido do que chegou este”, disse.

No 77º. Festival de Cinema de Cannes foi ainda atribuída uma menção especial ao filme à “Bad for a moment – Mau por um momento”, do realizador português Daniel Soares, que competia nas curtas-metragens.

Academia Portuguesa de Cinema

Os filmes “Mal Viver”, de João Canijo, e “Great Yarmouth – Provisional Figures”, de Marco Martins, foram os mais premiados na cerimônia dos prêmios Sophia, da Academia Portuguesa de Cinema, que decorreu no domingo no Casino Estoril, Cascais.

Numa edição em que se celebrou “Cinema e Liberdade”, a propósito dos 50 anos da revolução de Abril, deram-se ‘vivas’ à diversidade do cinema português, que “é quase um milagre quotidiano”, como afirmou o ex-diretor da Cinemateca Portuguesa, José Manuel Costa, a quem foi entregue o Prémio de Mérito e Excelência.

Na 13.ª edição dos Sophia, João Canijo recebeu o prémio de Melhor Realização e conquistou ainda o de Melhor Filme por “Mal Viver”.

Este é um drama de uma família, de várias gerações de mulheres, que gere um hotel; uma obra que se conjuga num díptico com a longa-metragem “Viver Mal”, ambas produzidas por Pedro Borges, da Midas Filmes.

Com João Canijo ausente da cerimônia, os prêmios foram recebidos pelo produtor, Pedro Borges, e pelas atrizes que entraram no filme, nomeadamente Cleia de Almeida, Anabela Moreira e Beatriz Batarda.

No agradecimento, Pedro Borges disse que “o Instituto do Cinema e do Audiovisual não está bem, precisa de ser reformado”.

Por conta ainda de “Mal Viver”, a Academia Portuguesa de Cinema atribuiu ainda o Sophia de Melhor Atriz Secundária a Madalena Almeida e o de Melhor Montagem a João Braz.

Na 13.ª edição dos Sophia, “Great Yarmouth – Provisional Figures”, de Marco Martins, retrato da emigração portuguesa no Reino Unido, somou também quatro prêmios para Beatriz Batarda (Melhor Atriz Principal), Romeu Runa (Melhor Ator Secundário), João Ribeiro (Melhor Direção de Fotografia) e Miguel Martins e Rafael Cardoso (Melhor Som).

“Viva a liberdade, mas sejamos estoicos e façamos da casa da nossa democracia um exemplo para todas as casas do nosso país. Xenofobia, misoginia, transfobia, discurso do ódio, não, não pode, seu ignorante”, disse o ator Romeu Runa no discurso de agradecimento.

“Amadeo”, de Vicente Alves do Ó, venceu três Sophia nas categorias de Guarda-Roupa, Direção de Arte e Maquilhagem e Cabelos.

O filme “Não Sou Nada – The Nothingness Club”, de Edgar Pêra, que era o mais nomeado desta edição, recolheu duas estatuetas, de Melhor Caracterização e Efeitos Especiais e para Melhor Ator Principal, para Miguel Borges.

Carlos Conceição conquistou o prémio de Melhor Argumento Original para o filme “Nação Valente”.

Destaque ainda para prémios atribuídos no cinema de animação.

A longa-metragem “Nayola”, de José Miguel Ribeiro, venceu o Sophia de Melhor Argumento Adaptado, para Virgílio Almeida, “Sopa Fria”, de Marta Monteiro, venceu o de Melhor Curta-Metragem de Animação, e a longa-metragem “Os Demónios do Meu Avô”, de Nuno Beato, recebeu dois prêmios, nas categorias de Melhor Canção e Melhor Banda Sonora.

O Sophia de Melhor Série ou Telefilme foi para a “Rabo de Peixe”, realizada por Augusto Fraga e Patrícia Sequeira, e produzida para a plataforma de ‘streaming’ Netflix.

Joana Botelho venceu o Sophia de Melhor Curta-Metragem Documental com “Coney Island – As Primeiras Vezes”, Basil da Cunha venceu na categoria de curta-metragem de ficção, com “2720”, e “Viagem ao Sol”, de Ansgar Schaefer e Susana de Sousa Dias, obteve o Sophia de Melhor Documentário.

Durante a cerimônia, a Academia Portuguesa de Cinema atribuiu ainda os Sophia de Carreira ao músico e compositor Luís Cília e ao realizador Rui Simões.

“Nós somos o cinema português, que é maravilhoso e lindo, seja onde for. Temos uma cinematografia de que nos devemos orgulhar”, afirmou Rui Simões no agradecimento do prémio.

O prêmio Sophia Estudante foi para “Défilement” de Francisca Miranda, da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e a academia anunciou ainda que os prêmios Nico, de revelação, vão ser atribuídos à atriz Ulé Baldé e aos atores Rúben Simões e Salvador Gil.

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