Estimo que se encontrem todos de boa saúde…
Por Eulália Moreno
Para Mundo Lusíada
Hoje em dia quem escreve cartas? Teclamos, blogamos, tuitamos, mas escrever cartas? Coisa antiquada que sobrevive apenas na memória dos nossos pais, avós, parentes e amigos mais velhos. Eles é que tem histórias para contar sobre a espera ansiosa de uma carta, da sua leitura às escondidas ou em família.Mas há quem se interesse por estudar Cartas, desde o século XVI ao século XX, e a partir daí crie projetos inéditos de grande interesse histórico, linguístico e sociológico e faça, através do Mundo Lusíada, um apelo aos portugueses e luso-descendentes no sentido de facultarem cartas familiares para um desses projetos (veja como na caixa ao lado). O principal apoio vem da Fundação para a Ciência e Tecnologia, órgão pertencente ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Portugal. “Recebemos 103 mil euros mas, como não é suficiente porque é um trabalho que envolve muita mão de obra, estamos a contatar outros possíveis financiadores, dentre eles a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas”, declara Rita Marquilhas, investigadora responsável, autora dos estudos e coordenadora de dois projetos, o CARDS e o FLY, cujo objetivo é a recolha, tratamento e disponibilização de seis mil cartas (quatro mil no CARDS e duas mil no FLY), todas reunidas, por enquanto, num arquivo digital, em edição eletrônica mas que um dia poderá ser um livro, muito bem pensado para não resultar numa leitura monótona.O primeiro projeto, o CARDS – Cartas Desconhecidas, começou em 2007 e consiste no estudo de cartas privadas escritas em português (ou em Portugal, porque há algumas escritas em línguas estrangeiras) no período compreendido entre os séculos XVI e XIX, sobretudo documentação judicial. Milhares de processos dos tribunais da Inquisição e da Casa da Suplicação foram pesquisados na Torre do Tombo, deles fazendo parte muitas cartas que foram utilizadas como prova de culpa dos réus. Raríssimos os casos em que algumas dessas cartas serviram como prova de inocência. Já disponibilizados para consulta on-line no site do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/), 707 dessas Cartas, número que chegará a duas mil.
Apelo aos Emigrantes
O segundo projeto, FLY – 1900, 1974 – Cartas Esquecidas, surgiu em 2010 como resultado da vontade de seguir, século XX adentro, com o estudo da escrita privada. “A denominação FLY é derivada do acrónimo para Forgotten Letters Years, ficou em inglês porque pedimos e conseguimos um primeiro financiamento para esse projeto num concurso com júri internacional”, explica Rita Marquilhas. A data pré-fixada de 1974 é explicada por ser o ano do 25 de Abril, símbolo do fim da guerra colonial, das prisões e dos exílios políticos três dos contextos estabelecidos para a recolha das Cartas. O quarto contexto é o da emigração. É para o projeto FLY que Rita Marquilhas lança um apelo aos portugueses da Diáspora no sentido de facultarem as suas “cartas de saudade”, correspondência trocada entre emigrantes e seus familiares, difíceis de obter porque, por vezes, essa correspondência está fora de Portugal.“Queremos os testemunhos dos protagonistas anônimos, aquelas personagens que a História esqueceu até agora mas que as famílias recordam. Os emigrantes escreviam cartas sem treino nenhum de escrita e mesmo assim conseguiam convencer outros a emigrar, a vender as suas terras ou simplesmente sentir-se menos saudosos. As estatísticas e as fontes oficiais dão uma imagem desfocada das Comunidades e dos acontecimentos do passado, e é preciso completá-la com uma perspectiva mais microscópica”.
Garantias de discrição e confidencialidade
“Os proprietários de correspondência familiar podem ceder-nos fisicamente a posse das cartas e nesse caso podem mandar pelo correio e nós asseguramos a conservação e catalogação do material. Mas também podem optar apenas por nos enviar as imagens, caso prefiram continuar a conservar em casa a herança familiar. O contacto por correio eletrônico é o primeiro passo a dar. Segue-se a assinatura do protocolo de cedência e só depois as cartas, ou as suas imagens, podem passar para as nossas mãos. Temos um modelo de contrato que celebramos com os doadores e que estipula, documento a documento,o que pode ser divulgado e o que é para ficar protegido da leitura pública. E entrevistamos os doadores, claro, para podermos contextualizar aqueles textos”, sublinha.No que se refere a proteção de dados pessoais a legislação seguida é a portuguesa, simultaneamente européia, através da Lei da Proteção de Dados (Lei nº 67/98 de 26 de Outubro) e do Patrimônio Arquivístico Protegido ( Lei nº 16/93 de 23 de Janeiro). “Cumprindo a legislação, se os proprietários das cartas que publicamos insistirem em ver todos os dados revelados, nós editamos as cartas na íntegra. Se não houver essa vontade, nós mostramos o texto completo apenas a investigadores para que usem aqueles dados de forma confidencial. Nesses casos, para o público mais geral, publicamos apenas um pequeno excerto de cada carta. O excerto vai acompanhado de uma imagem miniaturizada que só deixa perceber qual a distribuição das linhas manuscritas no espaço da página”, conclui Rita Marquilhas.
Recolha de cartas portugueses do Século XX (1900 a 1974)
Apelo
“Se guarda em sua casa cartas particulares e deseja que ela sejam dignificadas enquanto objeto de conhecimento, por favor contacte os investigadores do projeto FLY 1900-1974 (Cartas Esquecidas).”
Rita Marquilhas
Centro de Linguística da Universidade de Lisboa
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Endereço do site : http://alfclul.clul.ul.pt/cards-fly/