Mundo Lusíada com Lusa
Nesta segunda-feira, o primeiro-ministro português considerou que a justiça deve refletir sobre a divulgação de atos em investigação ainda sem suficiente solidez e aponta que questões que abordou na primeira conversa com o Presidente da República desapareceram na segunda conversa.
Estas posições foram transmitidas por António Costa em declarações à CNN/Portugal, na residência oficial de São Bento, em respostas a questões sobre o seu envolvimento no inquérito judicial que conduziu à sua demissão do cargo de primeiro-ministro no dia 07 de novembro.
“Acho normal que, se há uma suspeita, essa suspeita seja investigada. Se me perguntam se eu acho normal que seja publicitada a existência da suspeita sem que sejam praticados os atos de investigação suficientemente sólidos que permitam que seja posta publicamente em causa a idoneidade de uma pessoa, é algo que a justiça deve refletir sobre si própria”, sustentou o primeiro-ministro.
Em relação à sua situação pessoal perante o inquérito que o envolve e que corre no Supremo Tribunal de Justiça, António Costa afirmou-se de “consciência absolutamente tranquila”.
“Não tenho dúvidas qual é o final da história, porque sei exatamente o que fiz, sei exatamente o que não fiz. Sei que não tive nenhum benefício de nenhuma decisão que tenha tomado ao longo destes quase 30 anos de vida política, nenhum benefício indevido, para além do salário que me é pago. E, portanto, aguardo serenamente”, disse.
Nas declarações que fez à CNN/Portugal, pronunciou-se também genericamente sobre as duas conversas que teve com o chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, no Palácio de Belém, na manhã em que pediu a sua demissão do cargo de primeiro-ministro. Entre essas duas conversas, o Presidente da República recebeu a procuradora-geral da República, Lucília Gago.
António Costa começou por se referir à primeira de duas conversas com Marcelo Rebelo de Sousa.
“Às 08:30 solicitei a realização dessa conversa e às 09:30 tivemos essa conversa. E foi uma conversa muito importante para mim na ponderação que estava fazer do que é que iria fazer. O primeiro-ministro tem o dever de ouvir o Presidente da República também sobre decisões fundamentais”, disse.
Na segunda conversa, ao fim da manhã, segundo António Costa, “já as questões que estavam em cima da mesa na primeira conversa não tinham razão de ser”.
“Entretanto, a senhora procuradora-geral da República fez um comunicado onde enxertou um parágrafo final onde anunciou oficialmente, a Portugal, ao mundo, aos portugueses, que tinha sido aberto um processo a meu respeito. Entendo que a dignidade da função, a confiança que os portugueses têm de ter na função de primeiro-ministro não é compatível com a existência de um processo, cujos contornos eu desconheço, cuja razão de ser eu desconheço, mas era um processo onde se referia corrupção, prevaricação, tráfico de influências, a respeito de outras pessoas, e onde se dizia que o primeiro-ministro tinha sido ouvido, ou melhor, tinha sido ouvido não, conversas entre terceiros referiam o primeiro-ministro”, assinalou.
Neste ponto, o ainda líder do executivo fez outra observação: “Não me passa pela cabeça que as suspeitas não fossem suficientemente fortes para a senhora procuradora-geral da República ter decidido abrir um processo”.
“E deviam ser mesmo muito fortes para até ter entendido que era seu dever comunicar ao público que estava a investigar”, comentou.
António Costa, em estilo de conclusão, referiu que “quem não se sente não é filho de boa gente”.
“Ando na vida pública há muitos anos, há quase 30 anos. Nunca ninguém pôs em causa a minha integridade, a minha honestidade ou sequer se eu pratiquei ou não pratiquei qualquer tipo de crime”, acrescentou.
Magoado
O primeiro-ministro afirmou ainda estar magoado pela forma como foi envolvido num inquérito judicial, manifestou-se confiante de que sairá ilibado e questionou se outros responsáveis manteriam agora as decisões que tomaram.
Estas alusões ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e à Procuradora Geral da República, Lucília Gago, foram transmitidas por António Costa em declarações à CNN Portugal, antes de participar no debate parlamentar que antecede a próxima cimeira europeia.
De acordo com António Costa, a inclusão de um parágrafo no comunicado do gabinete de imprensa da Procuradoria Geral da República a especificar que o primeiro-ministro estava a ser alvo de inquérito junto do Supremo Tribunal de Justiça, “foi determinante” para ter pedido a sua demissão no dia 07 de novembro.
“Quem exerce as funções de primeiro-ministro não pode estar sob uma suspeita oficial. Já muitas vezes me perguntam: então e se não tivesse havido esse parágrafo? Bom, eu estava a ponderar. Eu tinha pedido ao senhor Presidente da República já nessa manhã uma reunião às 09:30 da manhã, iria ponderar”, declarou António Costa.
Se não tivesse existido esse tal paragrafo, o líder do executivo admitiu que, “provavelmente, aguardaria pela conclusão da avaliação pelo juiz de instrução dos indícios que existiam”.
“Agora, perante um comunicado onde uma pessoa, que não é uma pessoa qualquer, é a procuradora-geral da República, entende comunicar oficialmente ao país e ao mundo que, além de tudo mais, foi aberto um processo contra o primeiro-ministro, tenho um dever que transcende a minha dimensão pessoal. Há uma dimensão institucional na função de primeiro-ministro”, justificou.
Nesse sentido, António Costa reiterou que hoje teria feito exatamente o mesmo, optando pela demissão. A seguir, sugeriu que a mesma pergunta seja feita à procuradora-geral da República e a Marcelo Rebelo de Sousa.
“O que se pode é perguntar a quem fez o comunicado, a quem tomou a decisão posterior de dissolver a Assembleia da República, se fariam o mesmo perante aquilo que sabem hoje”, disse.
Interrogado se está zangado pela forma como foi envolvido nesse processo judicial, o primeiro-ministro respondeu não estar zangado, mas assinalou: “Se me perguntam se estou magoado, estou”.
“Quem não se sente não é filho de boa gente. Nunca ninguém pôs em causa a minha integridade, a minha honestidade. Ninguém ao fim de uma vida inteira gosta de ser colocado nesta posição”, afirmou.
A seguir, invocou para si “uma vantagem grande” neste tipo de situações.
“Se há convicção muito firme que tenho é no sistema de justiça, que é muito original, que não tem paralelo, mas onde os cidadãos podem ter a garantia e uma confiança: é que ninguém está acima da lei. Se me perguntam se eu acho normal que seja publicitada, sem que sejam praticados atos idoneidade de uma pessoa, é algo que a justiça deve refletir. Não tenho dúvidas qual é o final da história. Sei que não tive nenhum benefício, nenhum benefício indevido, para além do salário que me é pago”, frisou.
Nas declarações que fez à CNN/Portugal, o líder do executivo disse várias vezes estar magoado, mas recusou estar rancoroso.
“E como sou otimista, irritante ou não, estou muito confiante. A razão pela qual eu tenho uma confiança profunda no nosso sistema de justiça é que este ou aquele pode errar, nesta ou naquela fase do processo as coisas podem não ser as que acho que deviam ser, mas há uma coisa sobre a qual eu não tenho dúvidas: no final, o sistema atua corretamente”, sustentou.
Neste contexto, referiu-se aos processos de que foram alvo os seus antigos ministros da Defesa Azeredo Lopes e da Administração Interna Eduardo Cabrita.
“Há duas pessoas de que eu me lembro sempre muito, que foram as únicas duas pessoas do meu Governo que saíram por problemas judiciais e que já viram o seu processo chegar ao fim. Uma é o professor Azeredo Lopes, a quem andaram a enxovalhar com o assalto ao quartel de Tancos, foi absolvido completamente”, indicou.
Já em relação a Eduardo Cabrita, o primeiro-ministro apontou que “até de homicídio foi acusado”.
“Deve ter sido no mundo o único passageiro que ia no banco de trás que foi acusado de condução perigosa e de homicídio por atropelamento. E foi absolvido”, acrescentou.