Mundo Lusíada
Com Lusa
O papel dos privados na saúde foi o centro da diferenciação entre Marcelo Rebelo de Sousa e Marisa Matias no primeiro debate das presidenciais, que concordaram com a necessidade de entendimentos à esquerda para a estabilidade do atual Governo.
Em tom sereno, sem interrupções entre os candidatos e até com a troca de alguns elogios. Assim foi o primeiro debate para as eleições presidenciais do próximo dia 24 de janeiro, que pôs frente a frente o Presidente da República recandidato, Marcelo Rebelo de Sousa, e a eurodeputada do BE e também recandidata, Marisa Matias.
A grande diferença entre os dois candidatos evidenciada no debate, realizado na RTP, foi na saúde, mais concretamente no papel dos privados.
Assumindo “em relação à saúde e ao SNS por completo a visão de Arnaut e Semedo”, Marisa Matias criticou “limitações impostas à lei de bases de saúde tanto do lado do Governo como do lado do Presidente da República”, este último “na insistência e na crença que tem na necessidade da pretensa dos privados neste quadro”.
O moderador do debate, o jornalista Carlos Daniel, queria ter dado a palavra de imediato a Marcelo Rebelo de Sousa para a réplica, mas este apontou a importância de a eurodeputada do BE poder “concluir o pensamento” uma vez que se tratava de “um ponto central da diferenciação das candidaturas”.
Quando tomou a palavra, o Presidente da República recandidato afirmou que “o SNS é insubstituível e crucial na saúde em Portugal” e fez questão de destacar o “papel importantíssimo” do BE na lei de bases da saúde, considerando que o problema deste diploma surgiu na aplicação da lei.
Marcelo Rebelo de Sousa quis até “prestar essa homenagem” ao BE por ter ido “até ao fim” e “coerente com essa posição”, dizendo que até ficou isolado nesta questão.
Questionado se estava “a piscar o olho” ao eleitorado bloquista, o Presidente da República foi perentório: “não estou a piscar e a prova é que eu promulguei o diploma de aplicação da lei de bases contra o qual foi o BE”.
Marisa Matias começou o debate por sublinhar que “o papel de um presidente é contribuir para a estabilidade”, apresentando-se a estas eleições com a ideia de que Portugal tem “as condições para poder ter entendimentos duradouros e estáveis”, referindo-se neste caso a “entendimentos à esquerda”, tendo em conta a composição do parlamento.
A dirigente do BE – partido que votou contra – assegurou que não vetaria o Orçamento do Estado para 2021 uma vez que “não tem nenhuma dimensão inconstitucional, não há nenhuma razão para vetá-lo”.
Na primeira intervenção que fez no debate, Marcelo Rebelo de Sousa começou por agradecer a Marisa Matias “o que tem feito por Portugal na Europa e em Portugal”, considerando que sem a bloquista “não teria havido o estatuto do cuidador informal”.
“Eu estava ouvir a senhora deputada e concordava com o que ela disse quanto a estabilidade. É importante que este governo dure até 2023”, afirmou.
O chefe de Estado concorda ainda com a adversária na “ideia de entendimentos tão fundamentais e compromissos para a estabilidade da vida política portuguesa”.
“Tive pena que não fosse possível no orçamento para este ano haver uma base de sustentação mais alargada, mas acredito que pode existir no orçamento para 2022 e 2023 à esquerda”, antecipou.
Um tema nos qual os dois candidatos estão em oposição é na questão da eutanásia, mas Marcelo escusou-se a antecipar o que fará quando o diploma chegar a Belém.
Questionado sobre se votaria na candidata bloquista caso não concorresse a eleições, Marcelo começou por dizer que nunca tinha pensado nisso.
“Depende dos outros candidatos. Tenho uma simpatia pessoal e política por várias das causas pelas quais ela lutou, mas teria de comparar com outros candidatos”, respondeu.
Já Marisa Matias admitiu que o poderia fazer apenas “num cenário” de segundo turno, mas nos outros não.
“Respeito muito o trabalho que foi feito, mas acho que temos visões do mundo bastante diferentes. Mas neste contexto de eleição há um cenário, que eu acho que não vamos chegar lá e, portanto, não vale a pena”, atirou
Outro debate
Já os candidatos presidenciais João Ferreira e André Ventura protagonizaram no dia 02 um debate tenso e marcado por constantes interrupções, sobretudo por parte do presidente do Chega, que chegou a ser acusado de mentir pelo eurodeputado do PCP.
Transmitido na TVI24, com os candidatos em pé, André Ventura acusou João Ferreira de ter no seu site de candidatura referências elogiosas a regimes como a Coreia do Norte, Cuba ou Vietname, o que levou o dirigente comunista a desafiá-lo a provar essas acusações “para não passar por mentiroso”.
Ventura diria depois que essas referências estavam no site do PCP e, mais tarde, que teriam sido “apagadas”.
João Ferreira criticou que André Ventura vá ter na sua campanha a líder da extrema-direita e presidente da União Nacional francesa, Marine Le Pen, com o seu adversário a perguntar se preferia ter ao seu lado o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-Un.
Nos temas concretos colocados pela moderadora do debate, a jornalista Carla Moita, os dois candidatos a Belém estiveram quase sempre em discordância total.
Sobre o caso do procurador europeu José Guerra, André Ventura defendeu que a ministra da Justiça já não deveria estar em funções – tal como o ministro da Administração Interna -, enquanto João Ferreira disse ser necessário esclarecer se “houve intenção deliberada” de prestar informações falsas à União Europeia por parte do Governo.
“A ministra da Justiça irá à Assembleia da República, vamos ver se o André Ventura lá está, já sei que falta muito”, acusou o dirigente do PCP, recebendo de volta a crítica de que estava a “ser cúmplice do Governo”.
“Marcelo Rebelo de Sousa, se fosse um Presidente a sério, hoje teria dito que seria o último dia da ministra da Justiça em funções”, contrapôs Ventura, considerando que o chefe de Estado não serve “para tirar ‘selfies’ ou cortar fitas”.
O candidato apoiado pelo PCP acusou o deputado e líder do Chega de “não usar para si os critérios que usa para os outros” e que, depois de ter garantido que estaria em exclusividade no parlamento, ter acumulado salários como consultador e comentador desportivo, com Ventura a contestar a crítica.
“Continua a inventar”, ia dizendo Ventura, durante a intervenção de João Ferreira.
Sobre o diploma da eutanásia, que poderá chegar em breve a Belém, Ventura disse que convocaria um referendo, considerando que “o PCP tem medo de ouvir os portugueses”, enquanto João Ferreira assegurou que “respeitaria a vontade da Assembleia da República”, que deverá aprovar a legalização da morte assistida.
Questionados em que situações admitiam dissolver o parlamento, o candidato apoiado pelo PCP garantiu que “não abdicaria de usar nenhum dos poderes que o Presidente da República tem”, nomeadamente se considerasse que estavam em causa direitos garantidos pela Constituição, como a saúde ou a educação, mas admitindo que tal não se verificou no período do primeiro mandato de Marcelo Rebelo de Sousa.
Já André Ventura – que se referiu mais vezes ao atual Presidente da República do que João Ferreira no debate – considerou que o atual Governo “já passou linhas vermelhas importantes”, como nos incêndios de 2017 que causaram mais de cem mortes ou no caso do Tancos.
“Eu não gosto desta Constituição, nunca escondi”, afirmou, defendendo que o chefe de Estado deveria ter mais poderes, por exemplo, em matéria de escolhas ministeriais.
Na fase final do debate, em que Ventura já tratava João Ferreira por tu, o líder do Chega desafiou o seu adversário a condenar o regime da Coreia do Norte.
“Eu defendo o direito de cada povo escolher livremente o seu destino”, respondeu João Ferreira, lamentando que André Ventura tivesse de ir buscar situações de outros países para o criticar.
As últimas palavras do dirigente comunista foram para acusar Ventura de “estar ao lado dos poderosos” e de lhe apontar incongruências na votação da proposta para travar uma nova injeção de dinheiro público no Novo Banco, no último debate orçamental.
“Quem em 24 horas exerce todos os votos possíveis sobre o mesmo assunto, está tudo dito sobre a sua credibilidade”, criticou.
Além de André Ventura e João Ferreira, são candidatos às eleições presidenciais de 24 de janeiro Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes, Marisa Matias, Tiago Mayan e Vitorino Silva.