E o Brasil viveu nesta semana a primeira eleição após o traumático impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Foram eleições para os cargos de vereador e prefeito por todo o território nacional. O restante do pleito, ou seja, o segundo turno, se realizará apenas nos municípios com mais de 200 mil eleitores em que nenhum dos candidatos conseguiu a maioria absoluta, quer dizer, 50% dos votos válidos mais um. Assim, os dois candidatos mais votados no primeiro turno disputam o segundo turno entre si em 30 de outubro de 2016. Dezoito capitais farão segundo turno. São Paulo e Rio de Janeiro serão os estados com mais cidades a completar as eleições deste ano.
Apesar de existirem indefinições para o final do mês, podemos perceber alguns recados claros que foram dados. O PMDB foi o partido que, até aqui, conseguiu o maior número de prefeituras. Esta situação reafirma a condição da sigla em relação ao ocorrido também nas eleições de 2012. O detalhe é que naquele ano, o partido liderava eleições em quatro regiões do País. Desta feita, isto ocorre em três. A explicação é porque houve o crescimento de outra sigla, o PSDB. A região Centro Oeste para os peemedebistas foi perdida. Os tucanos mais que dobraram a participação nas prefeituras nessa área: saíram de 68 em 2012 para 152 no primeiro turno em 2016. Vale lembrar que três estados da região são governados pelo PSDB. Até agora, PMDB, PSDB, PSD, PP e PSB são os cinco maiores vitoriosos entre os prefeitos eleitos.
No caso do legislativo, espaço dos vereadores, voto nominal mais legenda, também o PMDB foi o mais escolhido, recebendo 9,9 milhões de votos. Foi seguido pelo PSDB, com 9 milhões; PSD, 6,5 milhões; PSB, 6,1 milhões e PDT, 6 milhões de votos. Isto mostra uma relação entre as escolhas para executivo e legislativo, ou seja, basicamente o eleitor vinculou o partido preferido para ambos os cargos.
O PSDB é o partido que conseguiu o melhor desempenho dentro dos grandes municípios. Considerando as capitais e os municípios com mais de 200 mil eleitores, representando 93 grandes cidades do País, isto é, 40% da população, os tucanos reinaram nesta eleição. Quanto aos debutantes, cinco novos partidos estiveram estreando. Quatro conseguiram eleger prefeitos de imediato, totalizando 2% das prefeituras. São eles: Solidariedade, PROS, Rede e PMB, pela ordem de conquistas. Somente o Partido Novo não obteve prefeitos.
Existiram 155.600 mulheres como opções para os cargos nesta eleição. Este número representa, somente, 31% dos candidatos. E aconteceu uma queda residual no número de executivas eleitas até aqui. Das 2105 candidatas, apenas 643 chegaram lá. Revela que a política continua bastante machista, mesmo sendo as mulheres 52% do total dos eleitores. O resultado é que, neste ritmo, fazendo projeções matemáticas, somente em 148 anos, ou seja, um século e meio, para termos equilíbrio entre homens e mulheres. Outro aspecto, de acordo com o TSE – Tribunal Superior Eleitoral, apenas 8,65% (42.524) dos candidatos se declararam negros. 51% dos candidatos (253.122) afirmaram ser brancos e 39,10% (192.292) pardos. Pretos e pardos levaram 39% das disputas pelos Executivos municipais. SC e RS fizeram 98% de prefeitos brancos; São Paulo é o terceiro colocado, com 95% e o Paraná o quarto com 92% de brancos eleitos prefeitos. Para o legislativo, os negros representam 42% do total, com 24 mil eleitos.
A cidade de São Paulo, maior município do País, não terá segundo turno. O candidato João Dória Jr., em cerca de 15 dias, conseguiu acelerar sua campanha e ultrapassou os demais adversários, isto é, Celso Russomano (PRB), Marta (PMDB) e o prefeito Haddad (PT), que tentava a reeleição. O tucano teve pouco mais de 3 milhões de votos válidos, ou seja, 53, 2% e fechou a fatura. Foi o melhor desempenho do PSDB nas eleições municipais nos últimos 20 anos. Como curiosidade, Eduardo Suplicy (PT), ex-senador, foi eleito o vereador mais votado do Brasil, com mais de 301 mil votos, 5,6% da votação válida. Dória, apresentado na campanha como ‘um trabalhador’ e ‘não político, sim gestor’, fez valer a grande aliança de sua chapa e os recursos da campanha. Ele declarou ao TSE ter um patrimônio de R$ 179,7 milhões, configurando das maiores riquezas entre todos os candidatos do País. Sua imagem de ‘self made man’ – sujeito que saiu da pobreza e enricou – encantou também à nova classe média C, além de receber o voto útil daqueles temerosos de, na ‘hora H’, verem Haddad poder virar o jogo e avançar para um 2º round. O empresário e apresentador de TV, ex-presidente das estatais PAULISTUR e EMBRATUR, foi uma aposta do governador Geraldo Alckmin dentro do PSDB, que rachou o partido, provocando a saída de velhos companheiros como Andrea Matarazzo, do grupo de José Serra e duras críticas de Alberto Goldman. Mas, o resultado das urnas certamente trouxe tranqüilidade ao ninho tucano que não deverá ter grandes problemas em sua administração. A Câmara dos Vereadores provavelmente estará ao lado de Dória Jr., que já prometeu uma série de privatizações para ‘dinamizar a cidade’ e ‘acelerar a qualidade dos serviços’ à população. Vale destacar sobre a câmara paulistana que ela teve quase dobrado o número de representantes da bancada evangélica, indo de 7 para 13 vereadores. Eduardo Tuma (PSDB), da Bola de Neve, recebeu mais de 70 mil votos. Entre os novatos, João Jorge (PSDB), da Assembleia de Deus, teve o maior número de votos: 42400.
Após este apanhado geral, falta então colocar uma questão para a reflexão. O destacado número de votos brancos, nulos e de abstenções. Fenômeno crescente. Este grupo imporia vitória aos candidatos e partidos em 10 capitais e chegaria em segundo lugar em 11. Entre as 10 capitais que venceriam estão São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte. Dória Jr., na capital paulista, teve menos de 11 mil votos que esta somatória, por exemplo. O que explicaria isto?
Certamente é um reflexo das manifestações que vieram acontecendo desde 2013, com o desgosto pela corrupção generalizada na política, diariamente estampada pela grande mídia e que resultou em um impeachment com inúmeros aspectos hipócritas, tanto que Dilma manteve os direitos políticos. A esquerda pagou sendo derrotada nestas eleições, atropelada pelos seus erros estratégicos, pelo conservadorismo crescente – notado inclusive fora do Brasil – e pelos tristes envolvimentos com o crime, onde foi estigmatizada pela grande mídia comercial que pouco destaca e pressiona o que há do centro para a direita nas falcatruas na Petrobrás. De todo modo PT, PC do B e afins vão precisar se rever com urgência para curar o vexame e se reconstruir. Porém, a população também percebe que a Lava Jato apesar de incriminar petistas e correligionários, acusados mais visíveis, incorpora o sistema partidário como um todo, como revelam as listas da Odebrecht e depoimentos de empresários à justiça, sem contar os áudios de Romero Jucá a Sergio Machado, entre outras (http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/05/leia-os-trechos-dos-dialogos-entre-romero-juca-e-sergio-machado.html ). Vale repetir o desejo a se conferir: a esperança é a punição não seletiva, sim irrestrita. O TSE tem 8.440 candidatos a prefeito, vice-prefeito ou vereador que concorreram com registro indeferido, sob recurso. Os dois partidos com mais votos no Brasil são, justamente, os dois partidos com maior número de registros de candidaturas negados graças a Ficha Limpa (http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/pmdb-e-psdb-lideram-candidatos-barrados-na-ficha-limpa ). É um momento muito problemático porque a alienação, a descrença, a antipolítica pode afastar a população ainda mais dessa atividade, o que é péssimo para a democracia. Perdas de direitos sociais, retrocessos nas conquistas de minorias acabam sendo vislumbrados. O País tem muito a construir e, no entanto, continua conflagrado. São Paulo, 7 de outubro de 2016.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo