A lei exige que a prestação de contas de campanha eleitoral dos candidatos seja feita de maneira individual e separada, ainda que integrante de uma coligação partidária. São contas distintas e independentes, o que possibilita a identificação da origem e do destino de todos os recursos captados para financiar a campanha.
Cada candidato é individualmente responsável pela arrecadação dos recursos e discriminação dos gastos realizados. Ora, se a lei obriga que a prestação de contas dos candidatos seja feita em separado, como pode a condenação ser em conjunto? Tal raciocínio contraria frontalmente a lógica cartesiana. O Tribunal Superior Eleitoral no âmbito estadual e municipal tem aplicado o princípio da indivisibilidade da Chapa, mas com abrandamentos. Em face da constatação de que o Vice não cometeu nenhuma ilegalidade, a despeito de cassar a Chapa deixa de aplicar a pena da inelegibilidade. É o que ocorre com a Chapa Dilma/Temer, no qual restou comprovado que o Vice não cometeu qualquer ilícito.
Todavia, não parece coerente que o TSE reconheça a inexistência de culpa do vice-Presidente, deixando de aplicar a inelegibilidade, mas derrube a Chapa e casse o seu mandato. A indivisibilidade da Chapa, como de resto qualquer princípio, não pode ser aplicado de forma absoluta, sob pena de violar outros princípios constitucionalmente assegurados, como o da personalidade da pena, da segurança jurídica e da proporcionalidade.
O princípio da personalidade da pena consiste na proibição da pena ultrapassar a pessoa do réu de modo a atingir terceiros. Portanto, não pode o Vice receber uma sanção por um ato que não cometeu. Já a segurança jurídica confere estabilidade às relações jurídicas, aos pleitos eleitorais e protege a estabilização das expectativas de todos que participam das eleições. A prestação de contas da Chapa Dilma/Temer foi inicialmente aprovada pelo TSE com ressalvas e inexistem irregularidades na prestação das contas do Vice.
Deve-se prestigiar o eleitor, o voto popular e a boa-fé desse eleitor. Impõe o princípio da proporcionalidade que em face de um aparente conflito entre princípios, leve-se a efeito uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles. Aplica-se um só pensamento dos valores em conflito, no caso concreto, de modo a encontrar uma decisão necessária, razoável, adequada e menos gravosa ao outro princípio. A solução menos gravosa e mais eficaz, é, sem dúvida nenhuma, apurar as responsabilidades em separado e aplicar as penas individualmente. Não é razoável punir o Vice por uma conduta que não cometeu e nem sequer tinha conhecimento.
Também não merece prosperar o argumento segundo o qual não há precedentes no TSE, uma vez que o caso é extremamente singular, pois diz respeito ao julgamento de contas de uma Presidente da República que sofreu impeachment e de um presidente legalmente empossado que, nada obstante o difícil quadro político, social e principalmente econômico porque passava o país, com elevadíssima inflação, alto desemprego e contas públicas com acentuado déficit, já conseguiu reduzir a inflação, começou a recuperar o emprego e colocar limites aos gastos públicos, cujo impacto positivo principia a ser sentido.
Ao seguir essa linha de raciocínio, não se poderiam admitir inúmeras decisões proferidas pelo TSE que foram tomadas sem que houvesse precedentes. Está-se diante de um leading case em que uma eventual e, a nosso ver, improvável decisão contrária, geraria novamente instabilidade política, social e econômica, em que a população menos favorecida seria, manifestamente, a mais prejudicada.
Dr. Ives Gandra Martins
Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e das Escolas de Comando e Estado Maior do Exército-ECEME e Superior de Serra-ESG, Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária – CEU – [email protected] e escreve quinzenalmente para o Jornal Mundo Lusíada.