O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa durante a sessão solene comemorativa dos 46 anos da Revolução de 25 de Abril na Assembleia da República em Lisboa, 25 de abril de 2020. As comemorações do 25 de Abril realizam-se este ano com número reduzido de presenças no Parlamento devido à pandemia. TIAGO PETINGA/LUSA
Mundo Lusíada
Com Lusa
O Presidente de Portugal defendeu que a sessão solene do 25 de Abril é “um bom e não um mau exemplo” e que seria “civicamente vergonhoso” o parlamento demitir-se agora de exercer todos os seus poderes.
“O que seria verdadeiramente incompreensível e civicamente vergonhoso era haver todo um país a viver este tempo de sacrifício e de entrega e a Assembleia da República demitir-se de exercer todos os seus poderes numa situação em que eles eram e são mais do que nunca imprescindíveis. E também nesta sessão, que sempre foi e será um momento crucial de controlo crítico e plural em liberdade e democracia – porque são esses os valores de Abril”, afirmou, recebendo palmas das bancadas de PS, PSD e BE.
No encerramento da sessão solene comemorativa do 46.º aniversário do 25 de Abril, na Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa centrou o seu discurso na defesa desta comemoração da Revolução dos Cravos, procurando responder às “dúvidas de alguns portugueses”.
“Num tempo de confinamento de tantos portugueses, como foi na Páscoa e agora no Ramadão, não estamos perante um mau exemplo em estado de emergência, no plano dos princípios, como no do acatamento das diretivas sanitárias? Não. O estado de emergência implica um reforço extraordinário dos poderes do Governo. E, porque vivemos em liberdade e democracia e é com elas que queremos vencer estas crises, quanto maiores são os poderes do Governo, maiores devem ser os poderes da Assembleia da República para o controlar”, argumentou.
Marcelo Rebelo de Sousa salientou que “a Assembleia da República nunca parou de funcionar, e discutiu e votou o mais importante em sessões plenárias” nas últimas semanas, “respeitando as diretivas sanitárias, como obviamente se impõe”.
O Presidente da República acrescentou que “esta sessão é um exemplo disso mesmo, um bom e não um mau exemplo”, em que “se ouviram vozes discordantes que falaram de abril de 2020, de sucessos e também de fracassos, passados e presentes, e de sonhos e temores presentes, numa situação crítica da vida nacional”.
Marcelo Rebelo de Sousa, que desde que comunicou a prorrogação do estado de emergência até 02 de maio, há nove dias, não tinha feito nenhuma intervenção pública, começou por referir que respeita “a competência própria da Assembleia da República sobre a evocação, o local, o formato e a composição dos participantes” na comemoração deste aniversário do 25 de Abril.
No seu entender, os portugueses compreendem “que o Presidente da República, símbolo da unidade nacional, em caso algum concebesse sequer um desencontro com a casa da democracia, que traduz a diversidade nessa unidade num momento da vida do país que exige convergência perante desafios tão graves como os da vida e da saúde e ainda o da vida digna no emprego, nos salários, nos rendimentos, nas famílias, nas empresas”.
“Esta hora impõe-nos unidade”, reforçou, ressalvando que “unidade que não é nem unicidade nem unanimismo”.
Depois, em resposta às “interrogações críticas” sobre esta sessão solene, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que “é precisamente em tempos excecionais que se impõe evocar o que constitui mais do que um costume ou um ritual, o que é manifestamente essencial”, e apontou o 25 de Abril como uma de quatro datas que não podem deixar de ser comemoradas.
“O 10 de Junho é essencial e vai ser evocado. O 1.º de dezembro é essencial e vai ser evocado. O 05 de Outubro é essencial e vai ser evocado. O 25 de Abril é excecional e tinha de ser evocado. Em tempos excecionais, de dor, sofrimento, de luto, de separação, de confinamento é que mais importa evocar a pátria, a independência, a República, a liberdade e a democracia”, declarou.
O chefe de Estado contestou a ideia de esta é uma evocação que “traz consigo um espírito de festa de políticos” desadequado numa altura de confinamento: “Não, a presente evocação não é uma festa de políticos alheia ao clima de privação vivido na sociedade portuguesa. Evocar o 25 de Abril é falar deste tempo, não é ignorá-lo”, contrapôs.
Em seguida, Marcelo Rebelo de Sousa realçou que os deputados à Assembleia da República e ele próprio foram eleitos pelo povo: “Os que aqui estamos, vale a pena lembrá-lo, na diversidade de opiniões, não viemos de outro país, de outro mundo, de outra galáxia – fomos a livre escolha dos portugueses”.
“E o que nos reúne hoje são os seus dramas, os seus anseios, as suas angústias, pelas quais somos assumidamente responsáveis. Mas agora que elas aí estão, nas nossas vidas temos de as vencer, deixar de evocar o 25 de Abril no tempo em que ele porventura mais está a ser posto à prova nos últimos 46 anos seria um absurdo cívico. E o não fazer nesta casa da democracia com a presença de todos os principais poderes do Estado e para além deles seria um mau sinal, um péssimo sinal de falta de unidade no essencial”, prosseguiu.
No final da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa disse ainda que não comemorar o 25 e Abril seria optar pela “satisfação momentânea de pulsões passageiras, transitórias, efémeras, insistentes”, em vez de “olhar longe e fundo”.
“Olhar longe e fundo, eis por que razão o Presidente da República nunca hesitou um segundo sequer em aqui vir e aqui estar nesta evocação de Abril”, concluiu, acrescentando: “E agora, senhor presidente [da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues], senhoras e senhores deputados portugueses, vamos ao essencial, vamos vencer as crises que temos de vencer”.
Este foi o último discurso do 25 de Abril do atual mandato de cinco anos de Marcelo Rebelo de Sousa, que termina em março de 2021, e foi aplaudido de pé, no final, pelos deputados do PS, PSD e CDS-PP, merecendo também aplausos de alguns deputados, sentados, do BE e PCP.
Combate a Covid
O Presidente defendeu que no combate à propagação da covid-19 é preciso “conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e bem compreendidas” e rejeitou uma vez mais “o simplismo de separar velhos e novos”.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou que este momento exige unidade e prometeu que os mortos pela covid-19 “hão de merecer no fim desta privação uma homenagem coletiva daqueles que não puderam prestar a sua homenagem pessoal”.
O chefe de Estado afirmou também que haverá que “retirar, a seu tempo, as lições” desta crise de saúde pública, que no seu entender mostrou “as fragilidades, as desigualdades, as clivagens” do tecido social português e “as debilidades, as carências, as descoordenações, a rigidez, a lentidão” em várias instituições – “em demasiadas”, observou, sem dar exemplos.
Haverá que tirar lições igualmente dos “exemplos de criatividade, de versatilidade digital, de excelência na pesquisa biomédica” e “de generoso voluntariado, de ilimitada solidariedade, de permanente maturidade cívica, de inimaginável resistência” dos portugueses, completou.
“Esta hora impõe-nos unidade. Unidade que não é nem unicidade nem unanimismo. Mas unidade entre os portugueses, que o têm lembrado no seu dia a dia, e unidade entre os responsáveis políticos, uma convergência que tem sido decisiva para Portugal”, declarou o Presidente da República.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, “a crise econômica e social” resultante da pandemia de covid-19 vai fazer-se sentir “durante anos” e agora é preciso “conjugar aberturas amadurecidas com precauções bem explicadas e bem compreendidas que há a conjugar” e “acorrer aos desempregados, aos que estão em risco de o ser, às famílias aflitas, às empresas estranguladas”.
“Temos de continuar a resistir ao desgaste, à fadiga, à lassidão, temos de manter a máxima convergência possível, temos de não ceder ao simplismo de separar velhos e novos, metropolitanos, urbanos e rurais, regiões autônomas, sem embargo da sua autonomia específica, Porto, Norte, Centro, Alentejo, Algarve e Lisboa. E também não cair na tentação fácil de discriminar ideias, correntes de opinião ou pessoas, como se o 25 de Abril fosse só de uma parte de Portugal”, acrescentou.
Advertindo que “o caminho a fazer ainda é longo, difícil e imprevisível”, o Presidente da República apelou a “uma Europa lúcida, solidária, empenhada e rápida a agir” e a que se ultrapassem “egoísmos, unilateralismos, visões fechadas do mundo e da vida”. Citando o papa Francisco, pediu também para não se “imolar quem fica para trás no altar do progresso”.
Marcelo Rebelo de Sousa argumentou que é fundamental assinalar esta data histórica e que no atual contexto de confinamento devido à pandemia de covid-19 “evocar Abril” é falar dos desafios deste tempo. “É testemunhar gratidão sem fim aos que salvaram, salvam e salvarão vidas e por isso deverão ser permanentemente acarinhados, agora e sempre, e os que ajudaram a salvar e a manter o básico na nossa sociedade, civis, Forças Armadas e forças de segurança”, disse.
A meio da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa saudou “de modo especial o Presidente António Ramalho Eanes”, o seu único antecessor presente nesta sessão solene, “primeiro Presidente da República democraticamente eleito em Portugal, símbolo, também ele, do espírito de unidade deste nosso encontro cívico”.
O chefe de Estado destacou também a presença nesta cerimônia de um representante dos capitães de Abril e de dois antigos deputados constituintes – o próprio Marcelo Rebelo de Sousa e o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
Além disso, recordou que nesta sessão solene já não está nenhum dos “quatro principais fundadores partidários do constitucionalismo pós-Abril”, Francisco Sá Carneiro, Álvaro Cunhal, Mário Soares e Diogo Freitas do Amaral, que morreu em outubro do ano passado.
“E agora, senhor presidente [da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues], senhoras e senhores deputados portugueses, vamos ao essencial, vamos vencer as crises que temos de vencer”, exclamou Marcelo Rebelo de Sousa, no final da sua intervenção.