Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente português enquadrou hoje o 25 de Novembro como um “passo muito importante” no caminho para a liberdade e a democracia aberto pelo 25 de Abril, defendendo que “não existe contradição” na evocação das duas datas.
Marcelo Rebelo de Sousa discursava numa sessão solene evocativa do 25 de Novembro de 1975 na Assembleia da República, que se realizou hoje pela primeira vez, no 49.º aniversário desta data.
No seu discurso, de cerca de vinte minutos, que encerrou a sessão, o chefe de Estado questionou se se pode afirmar que “em 25 de Abril de 1974 começa a liberdade e em 25 de Novembro de 1975 a democracia” em Portugal.
“É mais rigoroso dizer que a 25 de Abril de 1974 se abre um caminho, complexo e demorado, porque atravessou a revolução e depois a transição constitucional de sete anos, para a liberdade e a democracia. E que a 25 de Novembro de 1975 se dá um passo muito importante no caminho dessas liberdade e democracia”, contrapôs.
Segundo o Presidente da República, “o 25 de Abril de 1974 foi não só o primeiro, como o mais marcante em termos históricos, em termos de fim do ciclo imperial de cinco séculos, em termos de fim da ditadura de meio século, em termos de configuração primeira do sistema de partidos, definição do sistema eleitoral e dos parceiros sociais”.
“Sem ele, no momento em que ocorreu, não haveria 25 de Novembro de 1975, nem o que este significou de cenário vencedor dos vários cenários que cabiam na unidade feita de diversidades que foi o 25 de Abril”, acrescentou.
No seu entender, “o segundo, o 25 de novembro de 1975, foi muito significativo, porque sem ele no tempo em que existiu e tal como se processou, o refluxo revolucionário teria sido mais demorado, mais agitado e mais conflitual, e para alguns poderia mesmo provocar uma guerra civil”.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou que “assim não aconteceu, não houve guerra civil”.
“Eis por que razão não existe contradição entre o 25 de Abril, como há décadas é assinalado – enquanto data maior, porque representou um virar de página historicamente mais profundo, no império, na ditadura e como primeiro passo de abertura para a liberdade e a democracia – e o evocar o 25 de novembro de 1975”, sustentou.
Equiparável
Já o presidente da Assembleia da República abriu o seu discurso na sessão solene do 25 de Novembro, no parlamento, frisando que a revolução democrática de 25 de Abril de 1974 não é desvalorizável, equiparável ou substituível.
Numa intervenção que antecedeu a do Presidente, José Pedro Aguiar-Branco preveniu que ia logo direto à questão controversa sobre o significado histórico da operação militar de 25 de Novembro de 1975 e não iria fazer de conta que não existe.
“Há quem tema que a cerimônia de hoje sirva para comparar datas e acontecimentos, há quem tema que esta cerimónia sirva para desvalorizar o 25 de Abril, para o desconsiderar. Permitam-me a clareza: o 25 de Abril não é desvalorizável, não é equiparável, não é substituível”, declarou o presidente da Assembleia da República.
Para o antigo ministro social-democrata, assinalar o 25 de Novembro “não é mais do que celebrar Abril e o que só Abril iniciou: A liberdade e o desejo de democracia”. “Liberdade e democracia que devem ser celebradas todos os dias. Hoje não é exceção. É até um dia maior para isso”, sustentou José Pedro Aguiar-Branco.
Numa alusão à polémica em torno das comemorações do 25 de Novembro, o presidente da Assembleia da República defendeu que “em democracia, as diferenças contam” e que as discordâncias são levadas para o debate público.
No entanto, no debate publico, de acordo com José Pedro Aguiar-Branco, às vezes “cai-se no exagero”.
“Podemos debater a falta de investimento no serviço público de saúde, mas já ninguém põe em causa a existência do Serviço Nacional de Saúde, podemos traçar linhas vermelhas na redução de um por cento do IRC, mas já não discutimos a economia de mercado e a liberdade de iniciativa. Podemos discutir, até, a cor dos boletins de vacina, mas ninguém contesta a premissa da Igualdade entre homens e mulheres, a igualdade de direitos perante a lei”, disse.
E, em conclusão rematou: “Podemos discordar sobre muitos assuntos e até exagerar as discordâncias para consumo mediático, mas nenhum de nós advoga que os seus adversários políticos sejam presos”.
“Mas nem sempre foi assim. Nada disto era assim. Em 75, algumas das diferenças eram discutidas à bomba, literalmente”, acentuou.
Durante o período revolucionário que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, segundo Aguiar-Branco, “o medo era uma variável da ação e a coação, física ou psicológica, era uma ferramenta, como hoje se diz, para impor a vontade política, ainda que minoritária”.
“Viemos desse tempo em que algumas das ideias se tentavam impor pela força das armas, para o momento em que podemos debatê-las em liberdade”, completou.
Partidos
PSD, Chega, IL e CDS-PP saudaram hoje a evocação parlamentar inédita do 25 de Novembro de 1975, com os sociais-democratas a defenderem que a data une e o Chega a considerar que este “é o verdadeiro dia da liberdade”.
Na primeira sessão solene da data, os aplausos ao general Ramalho Eanes, presente na tribuna reservada às mais altas figuras do Estado, foram uma constante nas intervenções das bancadas à direita, com a primeira grande ovação a surgir após a referência do líder parlamentar do CDS-PP, Paulo Núncio, o segundo partido a intervir na sessão.
Pelo PSD, o vice-presidente da bancada Miguel Guimarães defendeu que esta data “simboliza o triunfo da moderação sobre o extremismo”, que deve unir e não dividir o parlamento.
Já André Ventura destacou, numa referência a esta cerimônia inédita, que “uma nova maioria [parlamentar] permitiu que se dissesse que, sem esquecer o 25 de Abril, este é o verdadeiro dia da liberdade de Portugal”.
Centrando depois o seu discurso na atualidade, o líder do Chega disse que Portugal vive hoje com a “ameaça da imigração descontrolada”. Afirmando que há 49 anos “o país enfrentava uma guerra civil, com ameaça à sua segurança real e diária”, Ventura considerou que atualmente “os bairros à volta de Lisboa e do Porto apresentam novas ameaças e novos desafios, com o país a preferir dar razão a bandidos do que às forças de segurança”.
Estas afirmações levaram vários deputados do PS a sair da sala das sessões da Assembleia da República, entre os quais Isabel Moreira, André Rijo, João Paulo Correia, António Mendonça Mendes ou Pedro Vaz, que regressaram quando terminou a intervenção de Ventura.
Pela Iniciativa Liberal, o presidente Rui Rocha defendeu que a falta de consenso à volta do 25 de Novembro não deve impedir o parlamento de o comemorar. “Ramalho Eanes e Mário Soares não procuraram consensos com aqueles que não amavam a liberdade. Procuraram afirmar a visão do país da democracia e da liberdade e é isso que hoje aqui celebramos”, defendeu.
O líder parlamentar do CDS-PP defendeu que o que se celebra hoje “não é uma contra revolução e muito menos uma restauração”, mas sim “a coerência do 25 de Novembro com o 25 de Abril” e considerou que Abril “abriu um caminho” e Novembro “impediu que esse caminho se fechasse”.
Paulo Núncio e Miguel Guimarães criticaram a ausência do PCP e da maioria da bancada do BE da sessão, defendendo que nesta data se celebra o “direito de todas as forças políticas estarem aqui, por vontade do povo”.
A realização de uma sessão solene anual para assinalar esta data no parlamento – em moldes semelhantes à do 25 de Abril – foi proposta pelo CDS-PP e aprovada por PSD, Chega e IL, com a abstenção do PAN e votos contra dos restantes partidos à esquerda.
Os acontecimentos do 25 de Novembro, em que forças militares antagônicas se defrontaram no terreno e venceu a chamada ala moderada do Movimento das Forças Armadas (MFA), marcaram o fim do chamado Período Revolucionário em Curso (PREC).