Mundo Lusíada com Lusa
O Presidente de Portugal elogiou neste dia 15 o poeta e histórico socialista Manuel Alegre, considerando que se distingue pela “coragem ilimitada”, e condecorou-o com a Grã-Cruz da Ordem de Camões.
Marcelo Rebelo de Sousa anunciou e entregou esta condecoração no fim da sessão de apresentação do livro de Manuel Alegre “Memórias minhas”, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
“Correndo o risco de novamente ser heterodoxo – já o fui quando o condecorei com a Grã-Cruz de Sant’Iago da Espada – vou condecorá-lo hoje com a Grã-Cruz da Ordem de Camões”, declarou.
Surpreendido, Manuel Alegre agradeceu ao chefe de Estado por este gesto e afirmou que nunca o esquecerá: “É para mim de um especialíssimo significado e, de todas as condecorações que tenho, talvez aquela que mais fundo me toca, dada a minha veneração de Camões, dado o fato de Camões estar sempre presente em mim e estar sempre presente em tudo aquilo que escrevi”.
O Presidente da República subiu ao palco depois de terminadas as intervenções da sessão de apresentação do livro “Memórias minhas”, perante um auditório cheio, onde estavam, entre outros, o antigo chefe de Estado António Ramalho Eanes e o anterior primeiro-ministro António Costa.
“Manuel Alegre foi um resistente. Foi um resistente em ditadura e em democracia, foi e é um militante e será sempre, foi e é um poeta e será sempre. Mas tem uma característica muito peculiar, que não é frequente encontrar na poesia como na política: é a coragem ilimitada”, considerou.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, trata-se de “uma coragem não só política, como física, ilimitada”, algo que “é raro de encontrar, num domínio como noutro”.
“Isso é uma grande característica, porque há quem seja tão inteligente, mas não tão corajoso. Há quem seja muito sensível, mas não tão corajoso. Há quem seja muito militante, mas não tão corajoso. Há quem escreva muito bem, mas não tão corajoso. Isso é o seu traço”, acrescentou.
O chefe de Estado referiu que é da autoria de Manuel Alegre o preâmbulo da Constituição da República Portuguesa de 1976, realçou a sua ligação a Camões e apontou-o como “a voz que traduziu um momento épico” contra a ditadura.
“Como imaginarão, eu não sou daqueles mais resistentes na luta contra a ditadura, mas via companheiros ou camaradas estudantis e outros reverem-se na voz de Manuel Alegre – apesar de haver líderes que sofreram mais do ponto de vista da tortura, do ponto de vista da perseguição, da prisão, da clandestinidade, dos combates da vida. Outros houve, muitos outros”, prosseguiu.
“Não podemos esquecer esse momento”, defendeu Marcelo Rebelo de Sousa, anunciando em seguida que iria atribuir-lhe a Grã-Cruz da Ordem de Camões.
promover cultura da memória contra desconstrução da democracia
Manuel Alegre considerou urgente a promoção da cultura da memória, numa conjuntura em que afirmou estar em curso uma desconstrução da democracia baseada numa “incultura do esquecimento”.
Manuel Alegre falava na sessão de apresentação do seu mais recente livro, o histórico socialista e conselheiro de Estado advertiu que se vive “um tempo difícil para a democracia”.
“Não é uma época de euforia democrática”, sustentou, antes de aludir ao cientista político norte-americano Samuel Huntington, que defendeu que o 25 de Abril de 1974, em Portugal, tinha sido o início de uma nova era democrática.
Para Manuel Alegre, atualmente, está-se “longe do tempo em que a revolução portuguesa influenciou a transição democrática na Espanha e na Grécia”.
“Este é tempo de desconstrução da democracia: Extrema-direita, populismo e xenofobia, o esquecimento a vencer a memória. Por isso, é urgente uma cultura de memória contra a incultura do esquecimento”, advertiu.
Em relação ao seu mais recente livro, o conselheiro de Estado contou que escreveu as suas memórias “sem diários nem cadernos de apontamentos”.
“Vivi e vida sem tomar notas para a posteridade. Não escrevi este livro para me justificar nem para deixar um testamento, mas, antes, como testemunho de uma vida com várias vidas ao longo do seu tempo”, alegou.
Manuel Alegre observou depois que a memória “seleciona e elimina”.
“Deixei fluir a memória na ponta da caneta. Nasci em ditadura e é para mim muito grato publicar este livro no 50º aniversário do 25 de Abril. Gostava de acreditar que estas memórias não são só as minhas, mas as de várias gerações desde os anos 50 até aos nossos dias”, acrescentou.