O plano era obter proventos econômicos através do aliciamento de jogadores de futebol brasileiros e peruanos que pretendessem jogar na Europa.
Da Redação com Lusa
Em Portugal, o presidente do clube “Os Nazarenos” negou ter assinado contratos com jogadores num caso de alegado tráfico de pessoas e auxílio à imigração ilegal que começou hoje a ser julgado no Tribunal Judicial de Leiria.
“Não assinei contrato nenhum, é falso”, disse João Zarro ao coletivo de juízes, afirmação que repetiu várias vezes ao longo da primeira sessão do julgamento, que envolve mais três arguidos, dois empresários de futebol e o clube. O representante legal do clube e um dos empresários faltaram.
Confrontado com contratos constantes no processo, o arguido, advogado, declarou, por diversas vezes, reconhecer a sua assinatura nos documentos, mas desconhecer “como isto veio aqui parar”.
“Reconheço as minhas assinaturas, mas não as fiz nestes documentos”, assegurou, referindo, “sem dúvida nenhuma”, tratar-se da falsificação da assinatura e garantindo que também não assinou documentos em branco.
Por outro lado, elencou outros clubes aos quais “aconteceu-lhes exatamente a mesma coisa, foram vítimas destas pessoas”, também em casos com as assinaturas, mas esses “saíram fora do processo”.
Aos quatro arguidos estão imputados 17 crimes de tráfico de pessoas, dois dos quais agravados, e 17 crimes de auxílio à imigração ilegal.
O despacho de acusação refere que João Zarro foi abordado, entre março e abril de 2018, por duas pessoas que se apresentaram “como empresários da área do futebol”, tendo todos plano de “obter proventos econômicos através do aliciamento de jogadores de futebol de nacionalidade brasileira e peruana que pretendessem jogar futebol, a nível profissional, na Europa”.
Segundo o Ministério Público (MP), os dois empresários abordaram jogadores naqueles países, “prometendo-lhes boas condições de trabalho, de alojamento, de alimentação”, assim como o tratamento das questões logísticas da transferência internacional e a legalização em Portugal, “a assinatura de um contrato de trabalho e um bom salário”.
Na concretização do plano, os arguidos procediam, também, à inscrição dos jogadores no clube da Nazaré, pelo qual jogariam.
Para facilitar a operação de aliciamento e credibilizar a transferência dos jogadores, os dois empresários – um esteve presente no julgamento, mas remeteu-se ao silêncio – apresentaram-se como sócios-gerentes de uma sociedade de agenciamento de jogadores nunca registada. Através dessa sociedade, celebraram um acordo com o clube, através do seu presidente, válido para a época 2018/2019.
O MP adiantou que o presidente e os dois agentes providenciaram “pela elaboração de contratos de trabalho e de promessas de contratos de trabalho”, para dar aparência de legalidade.
O despacho pormenoriza como cada um de 17 jogadores (dois então menores de idade) foi aliciado, os valores despendidos para virem para Portugal, como chegaram até à Nazaré, onde e como ficaram instalados, e o dinheiro que receberam por jogar no clube (um deles terá recebido apenas 20 euros por pelo menos oito jogos; alguns não terão recebido nada).
De acordo com o documento, aqueles ficaram em apartamentos e ainda no Centro de Alto Rendimento de Surf da Nazaré e no Estádio Municipal.
Nos apartamentos, houve “necessidade de dormirem, pelo menos, três pessoas por cama”, no sofá e até no chão.
Quanto à alimentação fornecida pelos empresários, era disponibilizada de “forma esporádica”, sem qualidade e em quantidade insuficiente.
Ao coletivo de juízes, João Zarro relatou que foi abordado pelos empresários que lhe perguntaram se o clube estaria interessado numa “eventual parceria”, dado que, embora tivessem “um plano para constituir um clube novo”, “Os Nazarenos” já tinham instalações.
Seguiu-se uma reunião, tendo sido comunicado aos empresários que “Os Nazarenos” eram “um clube amador, pobre”, sem “meios para sustentar jogadores”, tendo ouvido daqueles: “Não há problema, porque assumimos tudo, todas as despesas, alojamento, alimentação, viagens de avião, exames médicos, custo de transferência internacional, nós tratamos de tudo”.
O presidente do clube adiantou que aqueles comunicaram ser “sócios de uma empresa que já fazia este trabalho no Brasil (…), apresentaram-se com um discurso muito humilde, muito sério”, admitindo: “Acabámos, todos nós, direção, por embarcar neste disparate”.
Adiantando que foram “demasiados, demasiados” os jogadores que chegaram, o dirigente justificou que quando começaram a chegar o clube sabia que, na época seguinte, ia ter “sete ou oito jogadores”, quando o plantel precisa de “21, 22, 23”.
“Sem estes jogadores, não teríamos jogadores suficientes para jogar”, asseverou, frisando que os atletas “foram literalmente abandonados por estes dois senhores”, sendo que “todos têm consciência de que eram estas pessoas que se tinham comprometido com eles”.
O arguido, que assegurou que o clube não ganhou nada com esta situação, esclareceu depois como soube que os jogadores estavam a passar fome, explicando que foram os dirigentes do clube que passaram a fornecer a alimentação aos atletas.
À pergunta se não achou que era demais tanta responsabilidade que o clube não tinha de assumir e se não houve uma campainha que tocou, João Zarro respondeu que “houve mais tarde” e admitiu ter sido “ingénuo, totó”.
O julgamento prossegue no dia 09.