Há dias, em 20 de novembro, o país comemorou o Dia da Consciência Negra. Naquela data, lembrando a luta de Zumbi dos Palmares no século XVII pela liberdade dos afrodescendentes, muitas pessoas questionaram a necessidade de um feriado / uma data para essa reflexão, reclamando, inclusive, quando é que acontecerá um Dia da Consciência Branca? Algo semelhante pelos ‘direitos dos brancos’. Quotas para brancos e etc. Pois bem. Já que o assunto parece manter uma forte resistência em parte de setores da opinião pública, convém lembrar, ou melhor, reforçar, alguns itens fundamentais.
Este país passou cerca de 400 anos explorando a mão de obra escrava, especialmente negra, como importante fator de produção em sua economia, gerando fortes riquezas para os latifundiários, proprietários de fazendas de cana e, mais tarde, de café. Dois importantes e históricos produtos de exportação local. E, alem disso, apos muita briga dos abolicionistas pela libertação dos cativos, não houve nenhum tipo de reparação aos escravos pela situação nova em que passaram a se encontrar, isto é, após séculos de prisão eles se viam ‘livres’ numa sociedade que os enxergava como objeto de trabalho, não pessoas, não indivíduos. Meras ‘coisas’. Eles não tiveram a ação de uma política publica que facilitasse o acesso a terra para que pudessem produzir seu alimento e o de sua família, para um mínimo de dignidade. Sabe-se que a libertação dos escravos acabou por manter, de forma acomodada, muita gente ainda sob o jugo do feitor, do antigo proprietário, especialmente nas regiões mais distantes dos grandes centros. Isto quando não foram se acumular em casas mal estruturadas, dando origens às favelas, nos morros do Rio de Janeiro. E mais, acabaram na segunda metade do século XIX sendo substituídos pelos assalariados europeus. Em síntese, a mero século e meio, algo recente na história, portanto, foram jogados para escanteio e largados à própria sorte, vindo a sobreviver com trabalho pesado, em precárias condições, em serviços domésticos ou em áreas onde sua habilidade pudesse dar destaque, como no esporte ou na música. Isto é tolerável, aceitável, dentro de uma sociedade preconceituosa. Pergunta-se: com tamanha carga, em tão curto espaço de tempo, como podemos acreditar racionalmente numa base de igualdade entre ‘não brancos’ e ‘brancos’ dentro de uma sociedade competitiva/ globalizada como a que presenciamos? Como enxergar nesse quadro uma democracia honesta e um verdadeiro sentimento republicano?
Nesta semana, a revista Veja publicou que a Rede Globo, maior emissora de televisão do Brasil, sugeriu que um casal de atores negros – Camila Pitanga e Lázaro Ramos – fizesse a apresentação do sorteio das chaves da Copa do Mundo de 2014, na Costa do Sauípe, Bahia. A Fifa recusou a participação do casal e, no lugar dele, contratou dois outros atores brasileiros, ambos brancos, loiros, com cabelos lisos e olhos claros, Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert. A Fifa nega que tenha recusado a participação dos atores negros. A entidade transferiu para a Rede Globo a responsabilidade sobre o veto. Alegam que a Fifa nunca vetou ninguém, já que as propostas para os apresentadores são feitas pela agência GEO, em coordenação com a TV Globo. A emissora de TV, por sua vez, nega que tenha feito essa sugestão. Ou seja, ambos os lados posicionam-se como não tendo acontecido nada, uma grande fofoca de bastidores, apenas. Mas, a promotoria de Justiça Criminal de São Paulo resolveu averiguar o caso para valer. A Copa do Mundo é o maior evento esportivo do planeta, uma grande vitrine internacional, e os apresentadores brasileiros loiros é uma aberração, uma propaganda enganosa para o publico externo e mais um ‘tapa na cara’ de nossa população.
Nunca é demais lembrar o fato de que, segundo o último levantamento do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 50,7% da população brasileira se declara negra ou parda, ao passo que 47,7% se declaram brancos. A maioria se enxerga como ‘não branca’. Por que nos mostrarmos ao mundo com dois loiros, dois caucasianos?
Em paralelo a questão da ‘imagem mais caucasiana’ do povo brasileiro, que se pretende passar na grande mídia, confrontando os dados do IBGE, e também por conta da ‘inutilidade’ e ‘preconceito às avessas’ pelo Dia da Consciência Negra, nova pesquisa realizada pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, intitulada “Vidas Perdidas e Racismo no Brasil” foi publicada. E o dado é impressionante: o percentual de negros assassinados no Brasil é 132% maior do que o de brancos! E, segundo as pesquisas, 80% dessa violência preponderam no Nordeste: em Alagoas, Pernambuco, Sergipe, também no Pará, no Espírito Santo, em alguns estados do Centro-Oeste, onde parece que o preconceito é mais declarado. O IPEA com base em dados do IBGE, em novembro, afirmou que em cada grupo de 100 mil negros, 36 pessoas são mortas. Entre as pessoas que não são negras, o número cai para 15,2. É clara a incidência da violência que atinge esse grupo, mais pobre, mais carente. E, não é só, o DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos apontou que os negros representam 48,2% dos trabalhadores nas regiões metropolitanas. Mas, mesmo assim, a média de seu salário chega a ser 36,1% menor do que a de não negros. E há discrepância desde os menos letrados até os bacharéis.
É hipocrisia demais alegar a inexistência racismo no país. São fundamentais, então, as políticas de quotas, as políticas de afirmação, até um equilíbrio maior ser verificável. Aliás, vamos corrigir uma coisa: a ciência provou que não existem ‘raças’ diferentes. O ser humano é um só. O que nos distingue são, simplesmente, as cores da pele, isto é, a cútis, a tez, anatomicamente o órgão que é constituído de epiderme e derme. Enfim, a ‘capa’ que envolve o nosso corpo. Assim, realmente, não existe racismo porque não há raças diferentes. É preconceito de pele mesmo. Em outras palavras, um absurdo tal e qual. São Paulo, 5 de dezembro de 2013.
Prof. José de Almeida Amaral Júnior
Professor universitário em Ciências Sociais; Economista, pós-graduado em Sociologia e mestre em Políticas de Educação; Colunista do Jornal Mundo Lusíada On Line, do Jornal Cantareira e da Rádio 9 de Julho AM 1600 Khz de São Paulo.