Da Redação
Com Lusa
Quando Mário Rodrigues chegou a Luanda, em agosto de 2014, Maria Peixoto já se tinha estabelecido em Angola há uma década, altura em que o país crescia a toda a força, com o fim da guerra.
Nunca se conheceram e Mário acaba de regressar a Portugal, com salários em atraso, enquanto Maria ainda hoje não consegue dizer se está em Angola para ficar.
Ambos são exemplo de duas gerações de portugueses que se voltaram para Angola, estima-se que cerca de 200 mil atualmente, à procura de oportunidades que o petróleo, que rende agora muito menos ao Estado, está a deitar por terra.
Aos 31 anos, Mário, engenheiro civil, trocou Ourém por Luanda, para ser diretor de obra numa empresa angolana de construção. A experiência de oito meses terminou há uma semana.
“Fiquei com três meses por receber, mais subsídios de férias”, conta à Lusa, na partida de Luanda, decisão que se tornou incontornável nas semanas anteriores.
“Dificuldades em enviar dinheiro para Portugal, atrasos nos pagamentos, incerteza do futuro de Angola quanto ao pagamento das obras. Têm-me dificultado a vida, pois tenho pagamentos em Portugal a fazer, a prestação da casa”, diz, inconformado.
Mais a norte, de Viana do Castelo, Maria Peixoto, de 48 anos, deixou para trás um salão de cabeleiro na terra natal, onde empregava sete trabalhadoras, para se fixar em Luanda, terra onde viveu com os pais e onde o irmão nasceu, ainda no tempo colonial.
“Vim cá há onze anos, para quinze dias, ver como estavam as coisas. Recuperei um património do meu pai, que era empreiteiro, e por cá fui ficando. Mas ao fim deste tempo todo ainda não sei se é de vez. São muitas dificuldades que temos pela frente”, desabafa, em entrevista à Lusa.
Além do arrendamento do prédio que possui, Maria, que continua em Angola sozinha, abriu há dois anos um negócio de decoração em Luanda. Emprega cerca de uma dezena de trabalhadores, mas a crise, num país “totalmente parado”, também afeta aquele ramo.
“Até fornecia cortinas para ministérios, mas o negócio começou a baixar e agora está muito, muito fraco. Para o Estado já não estamos a trabalhar, tinha uma encomenda grande que há pouco tempo ligaram a mandar parar”, conta, assumindo “apreensão” com o futuro.
“Temos verbas a receber e só não temos mais porque decidimos que tinha de ser pago antes. E mais a coisa parou depois disso”, confessa.
Também sozinho durante os oito meses em Angola esteve Mário. Tempo curto, em que assistiu a dois fortes aumentos dos combustíveis e ao preço galopante dos alimentos. “E comer fora de casa, está fora de questão”, garante.
Contas feitas, chegou a ver-se a ganhar menos 40% face à primeira remuneração em Angola, devido à desvalorização do kwanza e à dificuldade em transferir dinheiro para Portugal. Mais do que uma opção, voltar a casa foi a única solução.
“Agora só regresso [a Angola] se tiver uma proposta mais segura, se for a própria empresa a pagar em Portugal, assim que arranjar trabalho em condições razoáveis. É um país que ainda tem muito que se reestruturar, com potencial, mas ainda com pouca qualidade de vida”, remata.
Problemas que Maria Peixoto, que já passou por dois assaltos com armas e as habituais “peripécias burocráticas” do país, conhece bem. “Felizmente tenho a minha vida organizada e no imediato não está ninguém à espera. Mas posso dizer-lhe que em dezembro, em janeiro e em fevereiro simplesmente não consegui transferir dinheiro para Portugal, o que é complicado”, diz.
O caos da vida diária, o trânsito, a falta de segurança, a crise financeira e o demorado regresso aos níveis de crescimento anteriores ou a taxa que o Governo pretende aplicar às transferências financeiras para fora de Angola são motivos que não permitem a Maria Peixoto, ainda hoje, afirmar se está em Luanda para ficar.
“Tenho medo desta paragem do país, mas ainda acredito em Angola, apesar destas dificuldades. Só que ao fim de 11 anos não consigo dizer se vou mesmo assentar raízes”, desabafa.