Da Redação com Lusa
Os portugueses vão ter de se habituar a viver com menos água, alerta o ministro do Ambiente, que deixa também um aviso a investidores: o Governo “não tem qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições” de consumo.
Nessa entrevista, o ministro do Ambiente e Ação Climática, Duarte Cordeiro, salienta que o mais importante é haver água para consumo das pessoas, e que se começar a faltar água o Governo aplica “as restrições que forem necessárias”.
“Não vale a pena, quem promove determinado tipo de investimentos ou infraestruturas, não ter em consideração que a água é um recurso escasso. E não temos qualquer tipo de limitação na aplicação de restrições quando tal é necessário. É o que temos feito”, disse Duarte Cordeiro, avisando que quem investe sem ter em conta a escassez de água pode ter consequências.
E acrescentou: “É importante explicar que vamos ter que nos habituar a viver com menos água, todos, as atividades agroindustriais também, os setores econômicos, e temos todos que olhar para aquilo que são as oportunidades que temos”.
Respondendo em concreto aos campos de golfe, o ministro pede aos investidores que olhem para o território e se salvaguardem. “Setores econômicos que precisam de água é bom que invistam naquilo que lhes permite ter água, que é captações no mar, águas reutilizáveis, aproveitar a eficiência… têm mesmo de o fazer não e uma questão de escolha”.
Duarte Cordeiro falava à Agência Lusa a propósito da Conferência dos Oceanos, das Nações Unidas, que hoje começa em Lisboa e se prolonga até sexta-feira. No âmbito da conferência, a maior alguma vez feita sobre os oceanos, sob o tema “Salvar os Oceanos Proteger o Futuro”, realiza-se hoje um simpósio de alto nível sobre a água, organizado pelo Governo e que será aberta por Duarte Cordeiro.
O simpósio, explicou o ministro à Lusa, é “um dos mais importantes eventos laterais associados a Conferência dos Oceanos”.
E tem como objetivo “procurar construir nexos entre aquilo que é a importância da salvaguarda da água doce” e a preservação dos oceanos e a luta contra as alterações climáticas.
Portugal, defendeu o ministro, tem trabalho feito nesta matéria, porque passou de 15% das águas residuais tratadas em 1990 para 99% na atualidade. “E isso tem um reflexo imediato ao nível, por exemplo, das praias de bandeira azul”, este ano cerca de 430.
Ou seja, disse, ao mar vai parar água tratada, o que se reflete na qualidade das águas costeiras, o que se reflete também na biodiversidade marinha.
Nas palavras do ministro, o simpósio, cuja sessão de abertura conta com intervenções de quatro ministros e do subsecretário-geral da ONU para a Economia e Questões Sociais, Liu Zheenmin, servirá também para debater temas como as alterações climáticas, a adaptação à falta de água ou as novas fontes de captação.
“O simpósio é a ligação entre a água doce e salgada. Queremos fazer a relação da importância que o tratamento e preservação da água doce tem para a qualidade dos oceanos”, salientou Duarte Cordeiro, acrescentando que quando se fala da despoluição dos oceanos, da necessidade de preservação da biodiversidade, é importante ter a noção da importância da qualidade da água.
E essa relação com a água está também ligada, acrescentou, às alterações climáticas, à subida do nível das águas do mar, ao impacto na orla costeira, aos fenômenos meteorológicos extremos, mas também à capacidade de adaptação a situações de menos água e à gestão da seca, temas igualmente da reunião de alto nível.
No encontro de hoje vão ser assunto os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas relacionados com a água mas também as possibilidades de cooperação entre Estados. E nele participam mais de uma dezena de ministros e de responsáveis de organizações internacionais, entre eles o comissário europeu do Ambiente, Virginijus Sinkevičius.
A reunião de hoje antecede a Conferência da Água da ONU, em Nova Iorque em março do próximo ano, e visa contribuir para o processo preparatório dessa conferência, diz o ministro português.
A propósito da conferência o secretário-geral da ONU, António Guterres, lembra que, hoje, 40% da população mundial é afetada pela falta de água, 80% das águas residuais são descarregadas sem tratamento no ambiente, e mais de 90% das catástrofes são relacionadas com a água.
Na entrevista à Lusa o ministro Duarte Cordeiro lembra que atualmente 34% do continente está em seca severa e 66% em seca extrema, e diz que em julho vai iniciar-se uma campanha de sensibilização sobre a matéria.
E não tem dúvidas, essas campanhas não podem parar. “Todo este trabalho tem de ter dimensão de continuidade, não podemos dizer que temos de preparar-nos para menos água e não ter um trabalho de sensibilização constante”.
Solução
O Governo vai colocar em discussão em setembro três propostas para colmatar a falta de água no Médio Tejo, uma delas contemplando uma ligação entre os rios Zêzere e Tejo na zona de Cabril.
Duarte Cordeiro explicou que a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) está a concluir um estudo de “reforço da resiliência” nas zonas do Médio Tejo, onde há habitualmente problemas de falta de água, o qual deve ser colocado em consulta pública no mês de setembro.
Nas declarações à Lusa o ministro afirmou que a APA vai colocar uma avaliação ambiental estratégica, esperada em setembro, para discutir uma de três opções: uma ligação entre o Zêzere e o Tejo na zona da barragem de Cabril, “aproveitando o final da concessão da barragem”, fazer no rio Ocreza uma nova barragem, ou uma “solução mista”.
No ano passado o anterior ministro da pasta, João Pedro Matos Fernandes, já tinha admitido à Lusa a possibilidade da construção de um túnel de 50 quilômetros entre a barragem de Cabril e Belver, sem transvases, para colocar mais água no rio Tejo. E que a outra solução seria o reforço de capacidade armazenada, em barragem, no rio Ocreza.
Em abril deste ano o PSD já tinha questionado Duarte Cordeiro sobre o estudo da APA, lamentando que nunca tivesse sido apresentado.
Duarte Cordeiro anunciou agora à Lusa que as propostas devem ser apresentadas em breve, todas “salvaguardando sempre a hierarquia dos usos, que é a salvaguarda da água para consumo humano”, e todas no sentido de libertar água para o rio Tejo, sempre que haja necessidade.
O ministro considera importante ouvir autarcas, associações, e “todos os atores”.
“Queremos ser rápidos”, disse, acrescentando: “Diria que este ano é o ano em que se inicia a avaliação ambiental estratégica e o próximo ano já será de concretização de soluções e de início de procedimentos associados as opções que são tomadas”.
Numa entrevista focada na água, e a propósito da Conferência dos Oceanos da ONU que hoje começa em Lisboa, Duarte Cordeiro salientou por diversas vezes que os portugueses têm de aprender a viver com menos água, e deu como bom exemplo o aproveitamento das águas residuais, que no Algarve já representa um hectómetro de água, usada para regar campos de golfe e algumas culturas, havendo “a possibilidade de durante este ano” se duplicar o aproveitamento, para chegar a 2025 com oito hectómetros cúbicos de água residual
“O nosso objetivo é procurar chegar a 20%, até 2030, de utilização de água reutilizada para diferentes usos, que implica a agricultura, que é um grande consumidor de água”, a indústria e a utilização urbana, para lavagem de ruas por exemplo. “Há um espaço de crescimento muito grande para as águas de reutilização”, afiançou.
O aproveitamento das águas no Algarve faz parte do Plano de Eficiência Hídrica, que tem associado no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) 200 milhões de euros. Além da reutilização de águas prevê, no essencial, a ligação do Pomarão a Odeleite e a construção de uma central de dessalinização, um projeto “com avisos a serem lançados”.
Duarte Cordeiro explicou que em fase final (este mês ou início de julho) está também o Plano de Eficiência Hídrica do Alentejo, o que, com o Algarve e o Médio Tejo, completa as três regiões onde o Governo quer, neste mandato, “projetos de natureza estrutural”.
Nas águas para reutilização, disse Duarte Cordeiro, o objetivo é estender o mais possível o aproveitamento, agilizando se possível o licenciamento, para “maior rapidez e generalização de usos”.
No reaproveitamento das águas residuais, disse Duarte Cordeiro, há “muitos municípios interessados”.
“Há muitos territórios com necessidades de consumo de água para efeitos agrícolas perto de territórios urbanos, talvez os mais fáceis de aproveitar. Mas no futuro temos de pensar em ligações, para levar esta água onde ela é consumida. Para a agricultura é uma oportunidade muito grande. Temos de nos habituar a viver com menos água e perceber que para podermos ter água temos de ir buscá-la onde ela está disponível”, disse.
As estações de tratamento, lembrou, são agora “fábricas de água”. E “é mesmo disso que se trata”.
E se nos rios, depois dos fogos florestais de 2017 e 2018, já foram reabilitados 1.230 quilômetros, abrangendo 140 municípios, Duarte Cordeiro disse estar a analisar agora a questão das barreiras obsoletas que existem. “Temos de as remover. A renaturalização dos rios também é importante para a revitalização dos habitats”, afirmou.