Da Redação
Com Lusa
Portugal acredita que conseguirá deixar a sua “marca” numa “nova relação de parceria” entre a UE e os países ACP e diz, pela voz do secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, que conseguirá aprová-la até final de junho.
A aprovação do novo acordo-quadro das relações entre a União Europeia (UE) e 79 países de África, Caraíbas e Pacífico (ACP) – incluindo 48 países da África Subsariana – para aos próximos dez anos, conhecido como pós-Cotonu, deu um passo importante em 17 de dezembro último, com a assinatura de um rascunho, mas subsistem resistências importantes ao texto, em ambos os lados das negociações.
“Estamos conscientes de que subsistem ainda posições que têm que ser alvo de diálogo e negociação. Estamos a falar da UE, a negociação é permanente sobre todos os assuntos”, admitiu Francisco André, em entrevista com a Lusa.
Mas “era uma marca que gostaríamos de deixar este semestre”, durante a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, acrescentou o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
No seio da UE, as principais resistências a ultrapassar, ou “reticências”, como prefere chamar-lhes Francisco André, são da Hungria, e dizem respeito a disposições no novo acordo relativas às migrações, e da Polónia, no capítulo respeitante à Igualdade de Gênero. Mas a revisão do Acordo de Cotonu, ao fim de 20 anos de vigência, iniciada em junho de 2018, tem enfrentado obstáculos vários em ambos os lados da relação, ainda não totalmente ultrapassados.
À assinatura em dezembro sobre acordo-quadro pelos dois negociadores chefes – pela UE, a comissária europeia para a Cooperação Internacional e Desenvolvimento, Jutta Urpilainen, e Robert Dussey, ministro dos Negócios Estrangeiros do Togo, pela parte dos países ACP – deve seguir-se a sua aprovação formal pelo Conselho da UE, numa versão ainda por consensualizar.
“Houve questões difíceis, os direitos sexuais e reprodutivos, os direitos humanos, questões relativas ao próprio Tribunal Penal Internacional, as migrações… Foram surgindo vários temas que foram difíceis [de acordar]. Mas, com um diálogo sempre alicerçado nesta vontade de projetar ainda mais esta relação, foi possível ultrapassar isto tudo”, disse o governante português.
O novo acordo-quadro traz várias inovações significativas, desde logo através da aproximação da estrutura de diálogo e cooperação, com a criação de três pilares regionais, que permitem “tratar as questões diretamente com cada região, que têm as suas especificidades”. A forma como funciona a estrutura “chapéu” da relação UE-ACP é como que replicada em três acordos regionais – destinados às relações da União Europeia com África, Caraíbas e Pacífico.
O fato do novo acordo-quadro “ser dividido em três pilares regionais vai permitir-nos que os objetivos que vêm desde o Acordo de Cotonu sejam encaminhados para os canais normais de diálogo regular e assim produzam resultados mais concretos”, defendeu Francisco André.
“Isso pode permitir alcançar durante a vigência deste acordo nos próximos [10] anos melhores resultados e responder mais facilmente às especificidades e requisitos de cada uma das regiões”, reforçou o governante português.
Desenvolvimento econômico, crescimento, criação de emprego, proteção do investimento, promoção do combate às alterações climáticas, cooperação na prevenção e combate de catástrofes naturais são temas transversais a qualquer uma das partes do novo acordo-quadro, mas com especificidades próprias a cada uma das regiões.
Esta circunstância, sublinhou Francisco André, “permitirá, mais do que manter o nível de ambição, levá-lo a um ponto concreto que produza mais resultados”.
O acordo estabelece a criação de instituições conjuntas – Conselho de Ministros, Comité Conjunto de Altos Responsáveis, ao nível de embaixadores, e Assembleia Parlamentar – quer ao nível da relação “chapéu” UE-ACP, como em cada pilar regional; assim como prevê, em ambos os âmbitos, a realização, expressamente calendarizada ou a acordar entre as partes, de cimeiras de chefes de Estado e de Governo, assim como conselhos de ministros, comités e assembleias parlamentares.
“Uma das coisas reforçadas no acordo é a intenção de um diálogo regular entre delegações da UE e dos Países ACP. Isso é muito importante, está ligado à dimensão parlamentar deste acordo, que sempre existiu, mas a certa altura das negociações houve dúvidas de como se ia manter”, explicou o secretário de Estado.
“A dimensão parlamentar manteve-se, e [estendeu-se] nos três pilares regionais. Todos os canais de diálogo que seja possível encontrar-se a nível institucional, e depois, aos níveis social e econômico, serão indispensáveis para que isto possa funcionar”, reforçou.
A dúvida, porém, é se não resultará este novo acordo-quadro, multiplicado pelas três regiões do globo, na criação de mais burocracia e instituições sorvedoras de meios, já de si escassos, uma crítica frequentemente apontada a toda a arquitetura da política europeia para o desenvolvimento e cooperação.
Francisco André minimizou a questão e escolheu valorizar os resultados esperados. “Os acordos, para funcionarem e conseguirmos manter o diálogo, precisam de máquinas que os façam operar. Não podemos confundir a árvore com a floresta. O que é importante, e em que nos devemos concentrar, é nos resultados positivos – espero eu – que vamos ter ao longo dos próximos anos”, disse.
Esta expectativa do governante português resulta também de um perfil diferente que os negociadores quiseram imprimir à “nova” relação entre as partes – a de uma “verdadeira parceria” -, quer através de terminologia plasmada ao longo do texto, quer por via da criação de vários mecanismos e responsabilidades partilhadas.
“Nós queremos uma verdadeira parceria, alicerçada num acordo conjunto com os [países] ACP, dividida nestes três pilares regionais, que achamos interessantes e esperamos que venham a dar frutos em termos de trabalho”, disse. “Vamos ultrapassar aquela relação tradicional da cooperação para ao desenvolvimento doador-receptor”, reforçou.
“Por exemplo, a nossa agenda verde, o chamado “Green Deal” europeu, pode ser válida em cada uma das regiões, mas exige verdadeiras parcerias, exige investimento de parte a parte, exige que se criem sinergias para o surgimento de novas atividades econômicas nesses países e isso não se faz na perspetiva do doador-receptor. Ou seja, é uma atividade econômica que pode ser proveitosa para todas as partes e podemos criar aqui sinergias sérias”, ilustrou.
No capítulo da autoridade econômica, criação de emprego, proteção de investimento “estamos a falar de parcerias, não de uma relação tradicional doador-receptor”, acrescentou.
“Esta parceria não acaba com os mecanismos tradicionais da cooperação para o desenvolvimento, mas permite uma relação mais moderna no campo da atividade econômica e dos investimentos”, defendeu.
Ou seja, “o princípio da parceria, na forma como está consagrado no acordo, é válido”, disse, mas também acrescentou: “Tão ou mais importante do que isso será agora a concretização prática das parcerias”.