Da Redação
Com Lusa
Portugal poderia aproveitar a visita do Presidente argentino a Lisboa, que começa neste domingo, para impulsionar uma reaproximação de posições entre dirigentes do Mercosul e da União Europeia numa Cimeira, defendem especialistas ouvidos pela Lusa.
“Portugal sempre se destacou pela sua habilidade negociadora, com singular capacidade para operar entre os parceiros europeus. Poderia ajudar o Mercosul a organizar foros de debate com os líderes europeus com o objetivo de esclarecer a posição do bloco perante a questão ambiental e ver como essa posição se concilia com os interesses europeus”, aponta à Lusa o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros da Argentina, Jorge Faurie (2017-2019), um dos responsáveis pela assinatura do acordo de 2019 com a UE.
O presidente argentino, Alberto Fernández, visita Lisboa a 09 e 10 de maio, seguindo viagem para Espanha, França e Itália.
Portugal exerce a presidência rotativa da UE até junho e a Argentina a presidência ‘pro tempore’ do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai), pelo que o acordo comercial deverá ser abordado nos encontros que Alberto Fernández vai manter em Lisboa.
Jorge Faurie admite, no entanto, que o Mercosul padece atualmente de dois problemas sobre os quais Portugal pode fazer pouco: a grave situação econômica que a Argentina atravessa e o conflito ideológico e político entre os Presidentes da Argentina e do Brasil.
O liberalismo do brasileiro Jair Bolsonaro, a favor do comércio livre, choca com o protecionismo de Alberto Fernández, que é de esquerda.
“Por mais que Portugal tenha boa vontade, não se sabe realmente até onde a Argentina está realmente comprometida com o acordo Mercosul-UE”, admite Faurie, que foi embaixador em Portugal durante 11 anos (2002-2013).
“No âmbito regional, o Mercosul não se reúne de forma presencial e os Presidentes de Argentina e Brasil não dialogam. Sobrepõe-se o viés ideológico no bloco, que atravessa o seu pior momento desde 1985, quando começou a união entre Brasil e Argentina, embrião do Mercosul”, lamenta.
O consultor Marcelo Elizondo, um dos maiores especialistas em Mercosul com contacto com diplomatas e negociadores tanto do lado sul-americano como europeu, também acredita que Portugal pode ser um elemento de aproximação entre os atores principais do acordo, mas também vê dificuldades para essa missão.
“Portugal pode exercer pressão política para que se adequem a agendas da União Europeia e do Mercosul. Para isso, poderia convocar uma mini cimeira entre Argentina, Brasil, Alemanha e França. Nessa reunião, os líderes desses países poderiam colocar sobre a mesa o que realmente falta. Se esses quatro países, os dois mais importantes de cada bloco, chegarem a um acordo, tudo se acerta”, explica Elizondo à Lusa.
“Mas isso não deve acontecer porque Portugal não tem suficiente força política para marcar um encontro entre países que têm os seus próprios desafios internos como prioridade”, observa Elizondo, numa alusão à transição política na Alemanha no pós-Angela Merkel, às eleições na França, onde pesa a sensibilidade dos produtores agrícolas franceses contrários aos produtos competitivos do Mercosul, e ao isolamento argentino.
Por outro lado, aponta, “a Argentina tem uma agenda autonomista, nacionalista, muito doméstica, sem visão nem preocupação com o exterior”.
“Alberto Fernández diz que concorda com o acordo, mas, no fundo, não quer avançar com nada e não quer sentar-se com o Brasil para acertarem os requisitos ambientais que faltam”.
Analistas e negociadores do Mercosul não isentam de culpa a (ausência de uma) política ambiental do presidente brasileiro, mas também observam que os países europeus que questionam a desflorestação da Amazônia são os mesmos que sempre foram contra um acordo com o Mercosul por temerem as exportações agrícolas dos sul-americanos.
“Alguns países europeus, em particular a França e a Áustria, encontraram na questão ambiental do Brasil um argumento para justificar um recuo no acordo, atendendo às suas questões domésticas. O meio-ambiente está a ser usado para encobrir a agricultura ineficiente desses países”, acredita Jorge Faurie.
No mesmo sentido, Marcelo Elizondo admite que “a Amazônia é uma zona simbólica para o resto do mundo” e que há um problema ambiental, mas “provavelmente, por trás desse argumento, estejam outras questões”.
“A chave está com Bolsonaro. Se ele se comprometer a mudar a sua política ambiental, pode gerar uma aproximação das partes. Falta esse gesto de responsabilidade ambiental. É uma condição, mas não necessariamente suficiente para a ratificação do acordo”, conclui Marcelo Elizondo.