Portugal: Mortes a Esmo

Notícias recentes, deveras desagradáveis, deram-nos a conhecer o que eu já referira no meu texto de há um tempo, A EUTANÁSIA POR ABANDONO, e que facilmente se poderia deduzir por via da utilização de um ínfimo de poder de conjetura: em duas semanas, faleceram em Portugal, contra o historial que vinha de trás, cerca de seis mil e cem portugueses, em geral idosos.

Achei espantosa a explicação dada pelos que servem agora o novo Governo – alguns são verdadeiros sempe-em-pé –, a cuja luz tudo se ficou a dever ao frio. Mas do espanto, por via das conversas correntes, passei à minha explicação: o frio, por si só, pode não matar, antes cria as condições para o desenvolvimento de certas maleitas, mais fáceis de desenvolver juntos dos mais fracos, que são os idosos e as crianças. Para lá dos possuidores de doenças muito específicas.

Simplesmente, sendo idoso e tendo adoecido por reações adversas ao frio, o melhor a fazer é procurar o essencialíssimo apoio dos lugares onde se pode ser acudido em tais circunstâncias. Ora, nos dias que passam os portugueses sabem já bem das condições de grande carestia em que se encontra o acesso aos cuidados de saúde. Ou seja, ter-se-á operado, com toda a naturalidade, um retraimento por parte dos portugueses mais velhos, muitos dos quais sem meios capazes, face à necessidade de apoio médico.

De resto, já posteriormente a esta desgraça, ficámos a saber, a partir de fora, o que agora mesmo acabei de explicar como causa mais plausível das seis mil e cem mortes em duas semanas: somos o país europeu onde mais se morre por via do frio. Além do mais, somos dos países europeus com piores condições ambientais no domicílio.

Em consonância com tal realidade, a CÁRITAS Portuguesa veio expor-nos que está a receber cerca de dez pedidos de ajuda por dia, já no limite da sua capacidade de intervenção, a qual, naturalmente, não pode ser grande. Ou seja: estamos perante um crescimento forte do desemprego, da fome, da miséria e das correspondentes consequências, a pior das quais acaba por ser a morte.

Mas a situação está também a atingir a família militar, bem como a das forças de segurança e ordem pública. São já cerca de oitocentos os militares com salários penhorados, num universo nacional de cerca de cem mil. Uma realidade que se vê acompanhada ao nível da GNR e, quase com toda a certeza, também da PSP. Entre outras autoridades…

Dos hospitais chega-nos uma outra notícia mais que esperada: a falta de dinheiro ao nível familiar impede que as famílias retirem os seus idosos dos lugares ocupados naquelas estruturas, mesmo quando já se não justifica que ali continuem. E tudo isto ao mesmo tempo que se ficou a saber que, ao nível dos países latinos, Portugal é o país que apresenta um quadro pior no domínio das depressões e doenças mentais.

Ora, tudo isto vem acompanhado de uma mortalidade prematura antes dos setenta anos, com um em cada quatro portugueses a atingir o fim da sua vida bem antes de tempo. Um tema sobre que valerá a pena procurar encontrar a palestra do académico britânico, Michael Marmot, no Instituto Ricardo Jorge, bem como outros trabalhos seus ao redor deste tema, já por si realizados e, porventura, acessíveis através da Biblioteca Digital do University College de Londres. Aliás, a própria UNICEF tem vindo a alertar-nos para esta outra realidade: a pobreza urbana coloca milhares de crianças em risco.

Sabemos agora, por via de dados a nós chegados a partir da OCDE, que Portugal se encontra no grupo de países com pior distribuição ao nível da riqueza nacional produzida. De resto, alguns hospitais vêm falhando o pagamento minimamente capaz do que devem às farmacêuticas, como recentemente se deu com a Roche, ou com o ridículo caso das compressas, embora tudo se salde na utilização da metodologia nacional, ou seja, do diz ao desdiz…

De tudo isto, podemos reconhecer a razão que assiste a António Garcia Pereira, a partir das suas palavras recentes no Clube dos Pensadores: o Governo e Cavaco Silva têm iludido os portugueses. E podemos, por igual, perceber a ingenuidade adotada por Mário Soares, ao vir agora dizer-nos esperar que a democracia portuguesa não perca cunho social, como por igual liberdade e pluralismo. Nada como sonhar alto e ir mantendo uma inútil coerência. Haja Deus!

 

Por Hélio Bernardo Lopes
De Portugal

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