Da Redação com Lusa
O diretor-geral do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS, na sigla inglesa) considera que Portugal tem reduzido os imigrantes à condição de instrumentos econômicos, esquecendo-se que se trata de pessoas que necessitam de ser integradas.
A percepção “diz mais daquilo que nós portugueses temos receio em relação ao futuro”, reduzindo os imigrantes a “instrumentos utilitários” da economia e esquecendo-se de que “estamos a tratar com pessoas”, afirmou, em entrevista à Lusa, André Costa Jorge.
“Poucas vezes sinto que a questão das migrações é traduzida numa perspetiva de que Portugal é um país que se vai tornar mais enriquecido e capaz de enfrentar os desafios do futuro se souber acolher e integrar bem” quem chega, afirmou.
Por outro lado, “nos contextos menos urbanos, a integração dos imigrantes “nem sempre foi feita de forma inteligente”.
“Quando trazemos pessoas não trazemos apenas braços para trabalhar, trazemos pessoas” e não basta enviar os imigrantes para uma “qualquer habitação precária no meio de uma localidade” onde está população idosa e esperar que tudo venha a correr bem”, afirmou o dirigente da JRS.
André Costa Jorge dá o exemplo do centro de Vendas Novas, considerando que sentiu “muita resistência e ignorância” da população e da autarquia sobre o que iria ser feito, algo que tem vindo a ser desconstruído.
Em todo o país, “as autarquias, as populações locais vão ser impactadas naturalmente com a chegada de novas pessoas”, mas as políticas locais só começaram a criar estruturas como os Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM).
Os poderes locais “acordaram tarde”. E “ficamos com a ideia que as pessoas viam os imigrantes apenas como trabalhadores sazonais e que não eram cidadãos como nós, como concidadãos”, preferindo vê-los como “pessoas estranhas” perante as quais a comunidade local tem “uma atitude defensiva e passiva”.
Para contrariar essa relação “há todo um trabalho a fazer” nas escolas, nas sociedades locais, para “promover a relação intercultural”. É preciso que “as pessoas se ponham em contacto com as outras”.
“Nós não podemos cair na armadilha do discurso da extrema-direita e deixar que esse discurso vença”, porque, à semelhança do que sucedeu com os portugueses na década de 1960, “sem alternativas, as pessoas procuram as vias ilegais”, mas, “depois, mediaticamente e do ponto de vista político, são apresentadas como ameaça”.
Em muitos setores da sociedade portuguesa, existe a “percepção que há uma migração de massas, uma espécie de invasão, que é sempre usada na retórica da extrema-direita, mas que, na verdade, resulta da incapacidade do centro político de resolver os problemas”.
E isso implica investimento em processos de integração de pessoas que acabam por contribuir para o crescimento do país.
“Aqui responsabilizo todos os governos que, nos últimos 20 anos, foram desinvestindo progressivamente na capacidade do Estado para responder a uma realidade foi aumentando” em sentido contrário.
Reagrupamento familiar
O diretor-geral pediu ainda urgência nos processos de reagrupamento familiar, que classificou como uma “grande alavanca” para promover a integração dos imigrantes e eliminar os receios existentes.
No processo migratório, há “uma grande alavanca para a coesão social”, que “tem a ver com o reagrupamento familiar”, porque vai dar um “sentido de vida” a quem chega, afirmou André Costa Jorge.
Nestes processos, o primeiro a emigrar é normalmente o homem, mas é “muito importante que o Estado promova o reagrupamento familiar porque o facto de vir a família e as crianças produz contacto social” como a comunidade local.
Por outro lado, “grandes grupos de homens em conjunto” geram um “sentimento de insegurança” entre muitos portugueses, de que os políticos populistas se aproveitam.
Para tal, é necessário combater estereótipos e receios. “Quando eu conheço o outro, quando eu vejo que ele é em tantas coisas igual a mim e tem os mesmos anseios, dificuldades ou problemas, percebo que pode ser meu amigo”.
Hoje em dia “vivemos num ritmo muito acelerado e queremos soluções imediatas e que tudo resulte imediatamente”, mas “há matérias em que o tempo e a paciência virão a dar frutos”. Isso só é possível, com políticas de integração, avisou.
O fecho dos países é a “receita para a derrota ou o caos no sentido de que não têm futuro sociedades fechadas sobre si próprias”, sublinhou.
Para tal, é necessário que Portugal tenha políticas de habitação e educação que satisfaçam os portugueses e quem chega, mas os empresários devem ser envolvidos nesse processo.
A recente decisão de extinguir as manifestações de interesse, um recurso jurídico que permitia a regularização de quem chegava a Portugal com visto de turista, sem um investimento antecipado na rede consular – a única porta de entrada agora autorizada – está a preocupar especialistas.
André Costa Jorge reconheceu que as migrações são um reflexo dos problemas de Portugal: “Nós não somos um país de planeamento, não apenas neste setor”.
Apesar disso, “aplaudimos a existência de um plano para as migrações do Governo [apresentado no início de junho], não porque seja um plano perfeito, mas porque é importante haver um plano” e que os “políticos apresentem qual é a sua visão estratégica” para a área.
Para o dirigente, o plano deve ser mais concreto, com mais detalhe e deve incluir vários setores da sociedade portuguesa e não apenas os que lidam diretamente com os migrantes.
Já sobre o fim das manifestações de interesse, muito contestada por associações de imigrantes, André Costa Jorge admitiu um “sentimento ambivalente”, referindo que “havia necessidade de dar um sinal para a sociedade portuguesa de que a situação de algum desgoverno, algum caos nas migrações tinha de parar” e esta decisão permitiu “dar a ideia de se estancar algo”.
“As manifestações de interesse foram o mecanismo criado para resolver um problema que tem a ver com a falta de planeamento e de capacidade de ter processos claros, transparentes, efetivos e eficazes” na entrada de imigrantes, considerou.
Esse procedimento extraordinário passou a ser a regra na entrada de imigrantes devido aos problemas burocráticos nos outros tipos de vistos.
“O mecanismo provisório tornou-se definitivo”, porque “temos uma máquina de Estado muito lenta, muito dependente de procedimentos lentos e burocráticos, que não andam ao ritmo da realidade do resto do mundo”, afirmou.
Os imigrantes ficavam depois num limbo esperando vários anos pelo desenrolar do processo, sem poderem sair do país.
“A nossa sorte é que se tratava de cidadãos estrangeiros e, portanto, pessoas que estavam em situação de dependência e não fizeram barulho. Se tivesse acontecido com portugueses teria havido uma revolução nas ruas”, considerou André Costa Jorge.
Apesar disso e do falhanço do modelo migratório português, hoje as “vítimas do sistema são vistas como os culpados porque o sistema não funciona”.
Esta ausência de soluções para a entrada legal tornou “as pessoas vítimas de redes de tráfico dos passadores dos traficantes”, afirmou, criticando quem se aproveite politicamente deste caso.