Da Redação com Lusa
Para o médico intensivista José Artur Paiva, pela segunda vez, Portugal foi lento na resposta ao aparecimento de uma nova variante do vírus SARS-Cov2 e defende estudos de sequenciação numa quantidade mais significativa de amostras.
“É preciso estar atento ao aparecimento de novas variantes. Pela segunda vez, talvez tenhamos respondido um pouco devagar demais em relação ao aparecimento de uma nova variante: em dezembro, com a variante alfa (a inglesa), e agora, com a delta”, afirmou o responsável, em declarações à agência Lusa.
José Artur Paiva, que faz parte da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a COVID-19, defendeu a realização de “estudos de sequenciação numa quantidade de amostras mais significativa do que a que atualmente se faz, para perceber melhor o aparecimento e a evolução destas novas variantes”.
“Fazendo-o numa amostra não selecionada, mas estando muito atento aos casos de doença que aparecem e que são mais prováveis estar associados a novas variantes, como os que aparecem em pessoas vacinadas, os que aparecem em pessoas que já tiveram covid-19 e estão a ter novamente e até os casos que aparecem com formas atípicas da doença”, acrescentou.
Para o especialista, “um enfoque grande no estudo sequencial deste tipo de casos é uma boa maneira de detecção precoce do aparecimento destas novas variantes”.
O também diretor de serviço de medicina intensiva do Hospital de São João, no Porto, defende a necessidade de pôr a funcionar metodologias “que façam controlo da aquisição de novas variantes”, designadamente os certificados digitais covid-19: “a retoma das viagens tem de estar associada a uma regulação e controlo das pessoas que passam fronteiras”.
Para reduzir o índice de transmissibilidade (Rt), o especialista sublinha ainda a importância de cumprir as regras de etiqueta como o uso da máscara, desinfeção de mãos, distanciamento físico e o evitar de aglomerações, assim como a necessidade de manter elevada a capacidade de testagem e de identificar contatos.
Sobre os doentes internados em cuidados intensivos, que segundo o último boletim da Direção-Geral da Saúde se situam nos 115, José Artur Paiva diz que “não há sobrecarga do sistema”, que a taxa de ocupação mais elevada ocorre na região de Lisboa e Vale do Tejo, que tem entre 75% a 80%, enquanto “as outras regiões do país estão abaixo dos 60%”.
“Há uma folga relativamente significativa. Das 215 camas à escala nacional para doente covid-19 crítico, cerca de 115 estarão ocupadas. Não há qualquer sobrecarga do sistema pelo covid-19 e o papel da vacinação, reduzindo as formas mais graves da doença, foi significativo”, afirmou.
Contudo, sublinhou: “Como sabemos que um percentual das formas de covid-19 que aparecem vão ter alguma gravidade, se não formos capazes de conter o Rt, vai haver fatalmente aumento do número de casos”.
Variante Delta
A frequência da variante Delta do novo coronavírus aumentou de forma galopante num mês, passando de 4% em maio para 55,6% em junho, segundo o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).
De acordo com o mais recente relatório de situação sobre a diversidade genética do SARS-CoV-2 em Portugal, divulgado pelo INSA, a variante Delta, associada inicialmente à Índia, teve “uma subida galopante” na frequência relativa a nível nacional, mas a sua distribuição “é ainda muito heterogênea entre regiões”.
Segundo o INSA, a distribuição da variante delta varia entre 3,2% (Açores) e 94,5% (Alentejo), mas, tendo em conta a tendência observada entre maio e junho, “é expectável que esta variante se torne dominante em todo território nacional durante as próximas semanas”.
Do total de sequências da variante Delta analisadas até à data, 46 apresentam a mutação adicional K417N na proteína Spike, refere o instituto.
No entanto, sublinha, cerca de 50% destes casos restringem-se a apenas duas cadeias de transmissão de âmbito local, o que sugere que a sua circulação comunitária é ainda limitada, sendo a frequência relativa deste perfil (Delta+K417N) na amostragem nacional de junho de 2,3%.
De acordo com o relatório, entre as novas sequências analisadas, a variante Alpha (B.1.1.7), associada inicialmente ao Reino Unido, foi detetada por sequenciação com uma frequência relativa de 40,2% na amostragem nacional de junho, evidenciando uma forte redução de frequência a nível nacional (88,4% em maio).
Contudo, explica o INSA, “esta variante é ainda a mais prevalente na região Norte (62,7%) e nas regiões autônomas dos Açores (96,8%) e Madeira (69,8%)”.
O relatório do Instituto Ricardo Jorge dá ainda conta de que a frequência relativa das variantes Beta (B.1.351) e Gamma (P.1) mantém-se baixa, sem tendência crescente nas últimas amostragens.
“Em particular, destaca-se que a variante Beta foi detetada a uma frequência de 0,1% e em apenas duas regiões (Lisboa e Vale do Tejo e Região Autónoma da Madeira)”, refere.
Segundo o documento, até à data foram analisadas 9.846 sequências do genoma do novo coronavírus, obtidas de amostras colhidas em mais de 100 laboratórios, hospitais e instituições, representando 284 concelhos de Portugal.
No âmbito da vigilância genómica que o INSA está a coordenar, foram obtidas 1.087 sequências da amostragem nacional de junho de 2021, a qual incidiu nos dias 2 a 15 de junho. Esta amostragem envolveu laboratórios distribuídos pelos 18 distritos de Portugal continental e pelas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, abrangendo um total de 131 concelhos.
A partir de junho, o INSA adotou “uma nova estratégia de monitorização contínua da diversidade genética do novo coronavírus em Portugal”, a qual assenta em “amostragem semanais de amplitude nacional”
“Esta abordagem permitirá uma melhor caracterização genética do SARS-CoV-2, uma vez que os dados serão analisados continuamente, deixando de existir intervalos temporais entre análises”, considera o instituto.
O novo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, uma cidade do centro da China, provoca a covid-19, uma doença respiratória que em Portugal já provocou 17.086 pessoas.
De acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde (DGS), já foram confirmados em Portugal 875.449 casos de infeção pelo novo coronavírus.