Da Redação com Lusa
Racismo e xenofobia também se dizem em português, declarou o primeiro-ministro aos brasileiros residentes em Portugal, sublinhando que nem sempre é fácil viver onde não se nasceu, mas que “Portugal é mesmo a casa” dos que aqui queiram viver.
Neste sábado, António Costa agradeceu também a forma como os brasileiras enriqueceram a língua portuguesa e a tornaram mais fácil de aprender.
Na festa de celebração do bicentenário da independência do Brasil, que decorre na tarde do dia 10 no Palácio de São Bento, em Lisboa, residência oficial do primeiro-ministro, António Costa dirigiu-se à comunidade brasileira residente em Portugal que participava no evento nos jardins do palacete, afirmando que entre as “muitas formas” de festejar os 200 anos de independência, com “atos solenes e oficiais e atos simbólicos”, a celebração com esta comunidade era a “forma que não podia faltar”.
António Costa, que assistiu a um dos concertos agendados para esta tarde ao lado do embaixador do Brasil em Lisboa, Raimundo Carreiro Silva, e da presidente da Casa do Brasil, Ana Paula Costa, considerou que “muito mais vezes que o coração de D. Pedro, têm viajado os corações de todos nós”.
O chefe do Governo aludia à viagem para o Brasil do coração de D. Pedro (IV para Portugal, I para os brasileiros).
O primeiro-ministro sublinhou a relação de “exílio e refúgio” que muitas vezes Portugal e Brasil mantiveram, sobretudo durante as respetivas ditaduras, as quais, tendo terminado abriram caminho para outras viagens com outra bagagem.
“Depois que as ditaduras acabaram, de um lado e outro, felizmente, têm transportado malas de sonhos para um lado e para o outro. Nem todos os sonhos se concretizam sempre. Muitas vezes são tristes, são frustrantes, são difíceis. É verdade. O racismo, a xenofobia, também se diz na nossa língua, que é a língua portuguesa. Diz-se cá, como muitas vezes os portugueses também se queixaram de ser objeto de anedotas, como os padeiros e os ‘Manéis’ no Brasil. É assim, nem sempre é fácil viver numa terra onde não se nasceu e onde não se cresceu”, disse.
Lembrou sobre isto a experiência do próprio pai, que tendo nascido em Goa se sentiu estranho em Portugal, apesar da língua comum.
“E esse é um desafio que temos permanentemente, mas essa também é a grande riqueza que nós temos, que é a capacidade de nos conhecermos, de utilizarmos uma língua e de uma língua que se reinventa. Portugal tem aliás uma dívida enorme para com os brasileiros, que é a forma como enriqueceram a nossa língua. Enriqueceram-na com novos vocábulos, mas sobretudo com uma musicalidade linda que nós temos imensa inveja de não ter e de terem tornado o português muitíssimo mais claro para quem quer aprender português”, disse.
Esse enriquecimento da língua é “uma dívida enorme” que os portugueses têm para com os brasileiros, defendeu António Costa, que disse também que o desafio, agora que se assinalam 200 anos de independência do Brasil, é “imaginar aquilo que juntos” podem “fazer durante os próximos 200 anos e os 200 que se hão de suceder a estes 200 anos”.
“E por isso eu achei que havia poucas formas mais óbvias, mais evidentes, mais simbólicas de dizer que Portugal é mesmo a casa de todos os brasileiros que aqui queiram viver, trabalhar e estudar, do que abrir esta residência oficial para que hoje a ocupem, vivam, festejem aquilo que há para festejar: a independência do Brasil, a liberdade do Brasil, a democracia do Brasil e o futuro do Brasil”, concluiu o primeiro-ministro.
António Costa passeou ainda pelos jardins e após várias solicitações para fotografias e trocas de palavras, acabou por se juntar a uma aula de forró que decorria num dos extremos do jardim.
Depois de uma recusa inicial ao convite da professora do evento para se juntar à aula, António Costa acabou por se aproximar da aula e, após ensaiar uns primeiros passos orientado pela professora, acabou por subir ao estrado com a sua mulher, Fernanda Tadeu, para “um pezinho de dança”.
“Foi divertido”, disse o primeiro-ministro aos jornalistas sobre o momento, antes de abandonar o evento.
A Casa do Brasil
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Primeira associação da comunidade brasileira em Portugal, a Casa do Brasil de Lisboa recebeu e aceitou o convite para propor essa programação cultural para os jardins da Residência Oficial, e agradeceu a “honra” ao Gabinete do Primeiro-Ministro e artistas presentes.
“Há 30 anos a Casa do Brasil de Lisboa tem um trabalho ativo na reflexão e implementação de políticas públicas, assumindo um papel fundamental de ativismo e reivindicação de políticas igualitárias para as comunidades imigrantes em Portugal”.
Relembrando o processo histórico da independência do Brasil, com papel ativo dos povos originários e pessoas escravizadas e ex-escravizadas, a organização lembrou que 200 anos depois, “ainda é necessário a construção de um Brasil para todas as pessoas, independente da cor, do gênero, da condição social, da religião ou da nacionalidade”.
Para a Casa do Brasil, a imigração é uma das formas através da qual a relação entre os dois países se reafirma cotidianamente. E a comunidade brasileira é a mais representativa em Portugal, e do outro lado do Atlântico, muitos portugueses e portuguesas escolheram o Brasil para viver.
“Por isso, hoje é fundamental reafirmar importância dos direitos das pessoas imigrantes e da integração, bem como continuar a combater o racismo, a xenofobia e todas as formas de discriminação no Brasil e em Portugal. Por fim, reforçamos o papel fundamental das associações de imigrantes e dos inúmeros coletivos que são parte da luta pela justiça social e igualdade de oportunidades para todas as pessoas em Portugal, em especial para as imigrantes e pertencentes a minorias etnica-raciais” concluiu.