Por Carlos Fino
Às já longas investigações de um lado e de outro sobre um eventual financiamento ilegal do Partido dos Trabalhadores no montante de 2,6 milhões de euros pela Portugal Telecom para ter acesso ao mercado brasileiro de telecomunicações, juntam-se agora acusações de uma possível intervenção do ex-Presidente Lula junto do primeiro ministro português Passos Coelho em favor da Odebrecht.
Levantam-se também suspeitas sobre os negócios do gigante brasileiro da construção com o grupo português Lena, numa série de consórcios vencedores de obras públicas durante os governos do ex-primeiro-ministro José Sócrates (atualmente detido para averiguações), que mantinha com Lula uma estreita relação.
Tudo isto vem somar-se ao desconforto provocado pelo desfecho da aquisição da cimenteira portuguesa Cimpor – uma das dez maiores cimenteiras do mundo – pela Camargo Corrêa, com transferência do centro de decisão da empresa para o Brasil, quando havia sido dada a garantia de que esse centro continuaria em Portugal.
Recorde-se, por fim, o fiasco que foi a fusão da Oi com a PT quando os brasileiros descobriram que a empresa portuguesa de telecomunicações havia feito, sem o revelar, um investimento milionário na Rio Forte, do universo BES/GES, entretanto falido…
Se havia esperança de que as privatizações portuguesas, como antes as brasileiras, abriam uma oportunidade para uma maior aproximação Portugal-Brasil e até para uma conjugação de esforços no domínio da lusofonia (a fusão com a PT com a Oi chegou a ser apontada como projeto estratégico de criar um player lusófono global), aquilo a que assistimos de facto foi à tessitura de uma complexa rede de interesses cruzados nem sempre transparentes.
Uma rede que, se produziu alguns bons resultados nuns casos, também criou muitos problemas noutros, deixando um lastro de desconforto, suspeitas e azedume.
Temo – oxalá me engane! – que, face tudo o que se passou, quer de um lado quer doutro, se acabe por arreigar a convicção de que, quer de Portugal, quer do Brasil, “nem bom sócio, nem bom negócio”.
ESPERANÇA DESFEITA
Quando, há poucos anos, o Brasil estava em alta e parecia finalmente ter encontrado o caminho do futuro, era legítimo esperar que, superado o complexo de vira-lata de que falava Nelson Rodrigues, o país passasse a ser mais complacente para com a sua própria história e, portanto, também, para com Portugal.
Estariam assim criadas condições para se ultrapassar a sensação de estranhamento que – contra toda a retórica oficial – sempre tem marcado as relações bilaterais, mesmo nos seus melhores períodos.
Agora, esse otimismo parece ter-se desvanecido.
Apesar dos 70 voos semanais da TAP para uma dezena das principais cidades brasileiras, apesar das boas relações comerciais, dos fluxos de emigração num e noutro sentido e do intercâmbio universitário e estudantil que se intensificou nos últimos anos, a esperança de que as relações bilaterais viessem a ter uma base económica mais sólida ficou bastante abalada, com os resultados da aproximação nessa área a ficarem muito aquém do que era legítimo aguardar.
Parece assim confirmar-se a tese do professor Amado Cervo, da Universidade de Brasília, que fala de uma “parceria inacabada” entre Portugal e o Brasil, segundo ele motivada pela diferente inserção internacional dos dois países, que sempre os encaminha para destinos diferentes.
Fatores subjetivos também contribuem para esse afastamento. Apesar da história comum, dos laços de sangue e da língua, a verdade é que Portugal e Brasil são muito diferentes nas suas atitudes, modos de estar, pensar e viver.
Essa diferenciação, na análise do ensaísta português Eduardo Lourenço, traduz-se num duplo afastamento das culturas respectivas em relação uma à outra: da cultura portuguesa, “que evolui a um ritmo e segundo paradigmas diferentes dos que eram comuns a Portugal e a esse outro Portugal que o Brasil era nos séculos XVII e XVIII”; e da cultura do Brasil contemporâneo, cujo código “se está a afastar, a uma velocidade extraordinária, do velho país europeu que Portugal é.
Entretanto, e apesar dessa diferença, parece também haver, na herança comum, alguma circunstância – talvez o patrimonialismo – que propicia atitudes menos claras na condução dos negócios. E aí seríamos até, ironicamente, demasiado iguais para nos entendermos…
Seja como for, uma coisa me parece certa: sem que haja maior comunicação entre os dois países, é pouco provável que a diferenciação que nos separa possa ser reduzida e o estranhamento ultrapassado, sobretudo quando a escassa comunicação que existe acaba por ser marcada, como agora de novo, pela atualidade negativa de negócios pouco transparentes.
Por Carlos Fino
Jornalista português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscou, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, em conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. O primeiro repórter a anunciar, com imagens ao vivo, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012).