Mundo Lusíada
Com Lusa
Portugal é o segundo país da UE com mais emigrantes em porcentagem da população e dos países com menos imigrantes, o que cria uma alarmante situação demográfica, mais grave do que a dos anos 60. O alerta é de Rui Pena Pires, coordenador científico do Observatório da Emigração, durante a conferência “Emigração portuguesa contemporânea”, que ocorreu em Lisboa.
O investigador explicou que, na União Europeia, apenas Malta, país que tem menos de um milhão de habitantes, tem maior porcentagem de emigrantes do que Portugal.
A conjugação destes dois dados coloca o país no “quadrante da repulsão do sistema migratório europeu”, onde Rui Pena Pires coloca os países que afastam mais população do que atraem, como a Lituânia, a Romênia ou a Bulgária. “Portugal está a aproximar-se do grupo dos países de leste menos desenvolvidos”, afirmou o investigador do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Embora reconheça que a situação atual não é nova e que já nos anos 60 Portugal tinha mais emigração do que imigração, Pena Pires sublinhou que atualmente há um agravante.
Para o investigador, os efeitos da emigração dos anos 60 puderam ser parcialmente contrariados pelo repatriamento de África nos anos 70, que representou o regresso de meio milhão de pessoas em um ano e meio. Atualmente, no entanto “não é previsível qualquer fenômeno migratório vagamente semelhante ao do repatriamento, a situação é hoje muito mais aguda do ponto de vista recessivo populacional do que nos anos 60”.
Aos jornalistas, o cientista explicou que “tudo depende da retoma do crescimento econômico”, mas alertou que, se esta demorar muito, será difícil corrigir os défices demográficos acumulados. “Neste momento o saldo é negativo” reiterou o investigador, que estima em 90 a 95 mil o número de saídas anuais de emigrantes.
Este valor é ligeiramente inferior à estimativa do secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, que fala em 120 mil saídas, mas Rui Pena Pires diz que a sua estimativa é de emigrantes permanentes (que ficam fora por mais de um ano), excluindo os temporários.
O investigador João Peixoto, do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), fez uma intervenção menos pessimista do que a de Rui Pena Pires, alertando que a par das saídas, é preciso contabilizar as reentradas de emigrantes.
Analisando os dados do Censos 2011, João Peixoto e a sua equipe concluíram que entre 2001 e 2011 regressaram a Portugal 230 mil pessoas nascidas em Portugal e que tinham estado emigradas durante mais de um ano. “É significativo ver que 10% da população portuguesa em 2011 já tinha residido mais de um ano no estrangeiro”, acrescentou o cientista.
Os dados do Censos permitiram concluir que só entre 2009 e 2011 regressaram 35 mil pessoas, sobretudo jovens entre os 25 e os 34 anos, que tinham estado em países como o Reino Unido, a Suíça, Espanha ou Angola.
Embora reconhecendo que muitas pessoas regressam e voltam a sair, Peixoto disse aos jornalistas que é preciso não olhar apenas para os números de saídas, mas também pensar “que há um movimento muito mais complexo que muitas vezes passa por um regresso a Portugal”.
Ainda assim, o investigador admitiu que “a deterioração da situação portuguesa desde 2011 até 2013 deverá ter feito cair as reentradas” e sublinhou que mesmo em 2011 é provável que o saldo entre saídas e reentradas fosse negativo. “Não estamos apenas com um problema de perda grave em termos migratórios, estamos com um problema de fecundidade baixíssima e de envelhecimento muito forte”.
“Quando se nasce pouco, vive-se até muito tarde, entram poucos estrangeiros e muitos portugueses saem, temos fortes razões para sermos pessimistas”, reconheceu, alertando que o risco é que Portugal se torne um país cada vez mais periférico dentro da Europa. “A emigração tem sido boa para as pessoas porque tem permitido que resolvam os problemas na situação de crise extrema em que estamos, mas para o país não tem sido a melhor solução” resumiu Rui Pena Pires.
Emigração portuguesa ainda é maioritariamente não qualificada
Mas o secretário de Estado das Comunidades negou que a emigração esteja a aumentar exponencialmente e sobretudo entre licenciados, sublinhando que “as migrações são uma constante” em Portugal e construção e hotelaria ainda são os setores mais procurados.
“A maioria dos que sai não corresponde ao universo dos jovens licenciados à procura do primeiro emprego ou desempregados. Continuamos a ser confrontados com saídas maciças na construção civil”, disse José Cesário na sessão de abertura da conferência “Emigração Portuguesa Contemporânea”.
“Ao longo de centenas de anos, os portugueses saíram de Portugal como saem hoje, uns por necessidade, outros por opção. Que não nos envergonhemos desse fenômeno e que o tratemos com seriedade e com frontalidade”, disse Cesário.
Para o responsável, é preciso abordar “os dramas” que a emigração implica, mas também “o grande potencial” de haver 2,2 milhões de portugueses, nascidos em Portugal, e que vivem noutros países.
José Cesário estima que em 2012 tenham saído de Portugal cerca de 120 mil pessoas, o que representa um aumento face ao período antes da crise da dívida, mas que “não é maciço”, afirmou.
“Em 2008, fato que ninguém divulgava, emigravam três a quatro vezes mais pessoas para Espanha do que hoje. Chegamos a ter uma comunidade de 140 mil pessoas [em Espanha], hoje temos 80 mil”, recordou, admitindo que há casos, como o do Reino Unido, que têm tendências opostas.
Em termos globais, reconheceu o secretário de Estado, “houve mais pessoas a emigrar em 2012 do que em 2005 ou 2006”, mas a desproporção não é tão evidente como pode parecer. “A questão de fundo é que durante muitos anos houve uma tendência de omitir um fenômeno que era mais do que evidente”, disse.
Outro mito que Cesário tentou desmistificar é a ideia de que a maioria dos emigrantes portugueses é licenciada. Dos cerca de 94 mil portugueses residentes no Luxemburgo, exemplificou, só 2% têm presença no setor financeiro, seguros e atividades especializadas e científicas. E nesses estão incluídos os portugueses e os binacionais, muitos dos quais já nasceram lá, sublinhou.
“A maior parte das pessoas que sai de Portugal hoje ainda se destina às atividades econômicas a que se destinaram muitos dos que saíram nas décadas de 1990 ou 1980, a construção civil, a hotelaria, as limpezas”, reiterou.
Mesmo para Angola, um dos novos destinos da emigração portuguesa, para onde o secretário de Estado estima que saiam cerca de 20 mil portugueses por ano, a maior parte dos que saem vão para a construção civil, acrescentou.