Por Carlos Fino
Assinalam-se agora a 13 de junho, dia de Santo António, 371 anos do início da insurreição luso-brasileira contra o domínio holandês.
Os ataques holandeses aos dois principais centros do domínio colonial português no Brasil – primeiro, São Salvador da Bahia, que ocuparam por um ano (1624/1625) e depois Olinda/Recife, em Pernambuco, onde se mantiveram por quase um quarto de século (1630/1654) – surgiram no contexto do conflito entre a Holanda e a Espanha.
Portugal, então sob domínio espanhol (1580/1640), viu-se envolvido no confronto, sendo o seu domínio colonial no Brasil um alvo apetecível devido à elevada produção açucareira e pelo facto de a sua capacidade de defesa ser aparentemente mais débil.
Ao contrário dos cálculos holandeses, no entanto, a conquista foi tudo menos fácil. Embora o domínio naval espanhol se encontrasse debilitado – não podendo intervir em força, como fizera na Bahia em 1925, recuperando Salvador – a resistência luso-brasileira no terreno foi grande, traduzindo-se numa permanente guerra de guerrilha e desgaste.
Os holandeses ocuparam várias praças-fortes do litoral, pensando assegurar assim o domínio de toda a região, mas isso não aconteceu, gerando-se uma situação de impasse que nem o embate naval de Setembro de 1631 conseguiu resolver.
As tropas portuguesas concentraram forças no forte do Arraial do Bom Jesus, a pouco mais de uma légua da capital pernambucana, ao mesmo tempo que destacamentos volantes avançados mantinham os holandeses – encurralados em Olinda/Recife – em constante sobressalto.
Factor decisivo para o reforço das forças de resistência ao invasor foi a constituição de dois regimentos de carácter étnico – o dos índios, dirigidos por Filipe Camarão, e o dos negros, comandado por Henrique Dias, que se vieram juntar às tropas do comandante português Matias de Albuquerque, irmão do donatário de Pernambuco, Duarte Coelho.
A conjunção de esforços militares entre portugueses e seus descendentes, muitos deles já nascidos no Brasil, índios e negros escravos e libertos foi tão crucial para o êxito da insurreição que o Exército brasileiro considera ser esse o grande momento histórico da sua formação.
O domínio holandês atingiu o auge durante o governo do conde Maurício de Nassau, cuja administração, entre 1637 e 1644, se caracterizou por muitos melhoramentos urbanos, o que lhe granjeou grande popularidade e deixou em torno do seu nome uma aura de simpatia que perdura até hoje, sobretudo em Pernambuco.
Essa memória, que a distância amplia, é muita vezes invocada no Brasil como exemplo do que poderia ter sido, para melhor, uma colonização holandesa do país.
Mas a verdade é que, com o passar do tempo, e apesar das melhorias introduzidas por Nassau, o descontentamento com os holandeses foi aumentando.
MOTIVOS DE DESCONTENTAMENTO
Num Manifesto publicado em Pernambuco, enumeravam-se os motivos desse descontentamento.
Entre eles, “a tirania dos ditos holandeses, que nunca guardaram a sua palavra com os portugueses, tocante à liberdade da religião católica”, o facto de que “os holandeses venderam as suas mercadorias ao preço que quiseram e puseram preço baixo e injusto aos açúcares” e ainda “as insolências e ignomínias que continuadamente faziam os soldados e capitães holandeses às mulheres e donzelas dos portugueses”.
Com a restauração da independência portuguesa, em 1640, o contexto modifica-se. D. João IV parece ter, primeiro, estimulado a resistência interna do Brasil à ocupação holandesa, mas depois, a certa altura, chega a ordenar que essa resistência cesse, dado que se pretendia estabelecer boas relações com a Holanda.
Tendo já uma guerra com a Espanha para defender a independência recém-reconquistada, a Corte queria evitar mais um conflito armado, desta vez contra a Holanda, no Brasil.
Um dos grandes defensores da paz a todo o custo foi o padre António Vieira, conselheiro do rei, que na altura escreveu um parecer altamente derrotista, em que desencorajava a resistência.
Quando, porém, chegaram ao Brasil ordens de pôr termo à luta e recuar, as forças luso-brasileiras não acataram as instruções. Invocando resistência da tropa, os líderes militares informaram o governador geral, na Bahia, António Teles da Silva, que nada os faria desistir, advertindo ao mesmo tempo que “o amor que estes portugueses tinham a sua Majestade” enfraqueceu “mais do que nos atrevemos a referir”.
Os líderes da resistência chegaram mesmo a insinuar que se a Corte os não apoiasse, poderiam buscar auxílio junto de outro país católico.
Os historiadores interrogam-se se a rebelião ocorreu de facto, ou se tudo isso foi encenado por forma – como escreve Evaldo Cabral de Mello em O Brasil holandês – “a fornecer a El-Rei a desculpa de carácter diplomático que passará a usar desde então: a de que carecia de meios para submeter os insurrectos e que, se tentasse fazê-lo, haveria o risco de solicitarem a intervenção internacional de outro príncipe católico”.
Quando finalmente a diplomacia portuguesa se convenceu de que não conseguiria chegar a um entendimento com a Holanda, tendo esta rejeitado até a proposta de venda da sua conquista no Brasil – D. João IV muda de posição e, em finais de 1646, começos de 1647, começa a sustentar a insurreição no Brasil por forma a poder utilizá-la como meio de pressão sobre os Estados Gerais holandeses. Em Março, parte para o Brasil, à frente de uma frota com mantimentos, efetivos e munições, o general Francisco Barreto de Menezes.
O resto é história – nas duas batalhas decisivas de Guararapes, os holandeses são derrotados e rendem-se em 27 de Janeiro de 1654, entregando o Recife e as outras praças fortes.
Mas as hesitações da Corte ao longo do processo e as reacções das forças locais deixaram um travo – a sensação de que os interesses de Portugal e dos portugueses do Brasil podiam nem sempre coincidir.
Vindo-se juntar ao nativismo local – o sentimento de que o Brasil tinha tudo o que Portugal tinha e podia até ter melhor – essa consciência do interesse próprio irá alimentar, com o tempo e outros episódios, a corrente que acabará por conduzir à independência, em 1822.
Portugal-Brasil: uma ligação, portanto, ambivalente – junção de esforços e partilha comum, por um lado, separação por outro.